Desestatização da Eletrobras tem mais prós do que contras

Maior abertura ao capital privado deve gerar benefícios para o setor elétrico

29 de julho de 2021Infraestrutura

A desestatização da Eletrobras foi sancionada no último dia 13 pelo presidente da República, Jair Bolsonaro. Assim, o governo federal reduzirá sua participação na empresa dos atuais 61% para 45% até fevereiro do ano que vem, por meio da venda de ações. Vista com entusiasmo inicialmente, a “privatização” da estatal dividiu opiniões ao ser utilizada para a incorporação de “jabutis” ao texto, como a criação de reservas de mercado para a contratação de termelétricas.

Para Eduardo Klepacz, diretor geral e head de Investimentos em Infraestrutura da GTIS, é sempre benéfico para o país quando ocorre a redução do peso do Estado em atividades que não são o foco principal de atuação do poder público, como é o caso da geração de energia elétrica. “Isso abre a possibilidade para que haja investimentos de centenas de bilhões de reais no setor”, afirma o executivo.

Fernando Camargo, sócio da LCA Consultores, destaca que por muito tempo a Eletrobras teve vários chapéus, atuando em diversas frentes em uma estrutura bastante verticalizada. “A Eletrobras produzia o PDE (Plano Decenal de Expansão de Energia), participava de leilões de geração, assinava contratos de transmissão, tinha voz nas decisões do Ministério de Minas e Energia”, enumera.

A criação da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) reduziu tal relevância, mas não conseguiu mudar algumas práticas: “O cálculo econômico não é privado ou público, ele é racional, mas ali havia um elemento de distorção que vem de um apelo típico do setor público, fazendo com que a empresa tomasse riscos que nenhuma companhia suporta”, acrescenta Camargo.

Neste sentido, a desestatização é bem vista pelo mercado de energia, já que ocorre uma importante redução do controle do governo federal - cuja orientação pode mudar a cada quatro anos - sobre as decisões da Eletrobras. 

“O Brasil hoje tem um dos mercados de energia elétrica com melhor regulação no mundo. É um setor que tem forte dinamismo, que não desacelerou na pandemia nem na crise econômica da era Dilma e que sempre tem demanda. A privatização vai ajudar a trazer mais investidores”, assinala Klepacz. 

Camargo ainda elogia a forma como ocorrerá a desestatização, rumo a um modelo de corporate governance. “Há um limite de 10% de share para que ninguém tenha o controle da empresa. É um modelo de governança interessante, tem sido utilizado por muitas companhias de diferentes tamanhos e setores, e que tende a modernizar a gestão para uma visão de mercado”, diz o especialista. 

Tal evolução, combinada com a injeção de capital privado, deve permitir à Eletrobras explorar com maior capacidade as fontes renováveis e expandir sua atuação para outros mercados. “O sinal de que uma empresa com essa relevância volta para o jogo vai ser muito bem-vindo - inclusive para outras empresas - porque cria 'musculatura' para a expansão do setor”, resume o sócio da LCA.

Qual é o peso dos “jabutis”?

A maior discussão em torno do texto aprovado pelo Congresso se deu pela criação de reservas de mercado para termelétricas e pequenas centrais hidrelétricas (PCH), além da renovação de contratos de usinas eólicas incentivadas. Para Camargo, a barganha política é um sinal anti-mercado que pode - ao carimbar a fonte de energia e a localização das usinas - prejudicar as decisões de investimentos. 

Por outro lado, não é à toa que a escolha tenha sido o gás natural: “Há uma oferta futura relevante vinda do pré-sal e é um gás relativamente de baixo custo porque está associado à extração de óleo. Tem o custo de transporte, mas é muito melhor do que reinjetar o gás no pré-sal ou mesmo queimá-lo, o que é proibido atualmente”, pondera o especialista.

O diretor da GTIS, Eduardo Klepacz, também defende a complementação da oferta com energia térmica por uma questão de segurança energética. “Eu não sou contra, só acho que precisa ser discutido o modelo de como ela vai entrar. Deveria ser algo mais de mercado e menos da imposição do governo”, argumenta. 

“Nos últimos anos, as crises hídricas têm sido cada vez mais regulares, por isso é bom contar com a energia térmica. A ideia, por si só, não é ruim. O que é ruim é fazer desse jeito, em pouco tempo, com pouca discussão. É um setor extremamente específico, repleto de associações de classe, de especialistas, além da própria EPE, do CNPE, do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico. Não pode ser feito na base de negociações políticas”, corrobora Camargo. 

Klepacz também não vê qualquer necessidade de renovação das eólicas incentivadas, já que esta não era uma condição no momento da assinatura dos contratos: “Hoje, esses investidores têm capacidade plena de inserir essa energia no mercado livre”, aponta. O mesmo vale para a criação de reservas para as PCH.

Para o executivo, tais alterações talvez tenham sido realizadas para conseguir as aprovações dentro do Congresso. “A meu ver, o principal drive deveria ser o mercado, que tem condições de se equilibrar, comercializar essas energias e desenvolver os projetos. Não adianta viabilizar artificialmente um projeto hídrico, por exemplo”, conclui.

Energia mais cara?

A Fiesp publicou uma estimativa de aumento do custo de energia para os consumidores devido à desestatização da Eletrobras, seja pela descotização das usinas, seja pela criação das reservas de mercado. Camargo explica que a descotização já era prevista desde 2019 e, embora possa gerar aumento no preço da energia, é positiva porque coloca a empresa no patamar de mercado em relação à negociação de contratos. 

Também é importante lembrar que o regime de cotas transfere o risco hidrológico para o consumidor, que paga mais caro quando o GSF (Generation Scaling Factor) aumenta, situação típica em momentos de crise hídrica, como a vivenciada atualmente. Para negociar a preços de mercado, a usina deve assumir os riscos hidrológicos, fator que reduz o preço pago pelo consumidor final. 

“Ninguém está falando de térmica a gás para substituir energia eólica, mas sim para complementar o parque de geração e substituir térmicas mais agressivas e mais caras (contratadas em regime de urgência quando há crises como as de agora). A conta dos adicionais precisa levar isso em consideração”, ratifica Camargo. 

Confiante no crescimento das fontes eólica e solar - estimado em 70% em relação ao total da matriz energética nos próximos dez anos -, a GTIS tem 8,5 GWh em desenvolvimento para projetos greenfield de ambas as renováveis. “A privatização da Eletrobras consolida a segurança para investir no setor elétrico no Brasil. Para nós, pode ser uma oportunidade para comercializar esses projetos”, diz Klepacz.

“O recado é que o Brasil está diminuindo a presença do Estado, tornando-se mais um regulador e planejador. Esse é o papel que o Estado deve ter em vários setores da economia, no setor elétrico certamente, como ocorreu com as telecomunicações. É uma conquista para o país, um processo necessário e urgente”, encerra.


Por Henrique Cisman