Para líderes do setor, gabaritos de altura reprimem a verticalização de SP
Limites nos miolos de bairro são principal queixa do mercado de incorporação
A revisão do Plano Diretor Estratégico (PDE) de São Paulo, planejada para 2021, está finalmente em curso e foi discutida pela primeira vez na Câmara Municipal, em audiência pública realizada há duas semanas. Após uma introdução macro sobre o funcionamento da atual legislação, o GRI Club dá sequência a uma série de reportagens sobre o tema, tratando, agora, do gabarito de altura.
Dentre os incentivos para a incorporação imobiliária nos eixos urbanos (ZEUs), um deles é justamente a existência de gabarito de altura livre para as edificações. Este quesito, porém, acaba sendo balizado por outras regulamentações, como o coeficiente de aproveitamento máximo do terreno, que é de quatro vezes.
O grande problema é que as zonas com grande oferta de transporte público representam uma pequena parcela da cidade, o que aumenta a concorrência por terrenos e eleva o preço dos mesmos nessas regiões. Por consequência, os imóveis passam a ser mais caros para a população.
Uma das maneiras de alterar este panorama seria aumentar o raio de influência das estações de metrô (400 metros) e dos corredores de ônibus (150 metros). "Minha percepção é que a área de abrangência é baixa. Um quilômetro de distância segue sendo um deslocamento acessível", diz Dalton Guedes, diretor de Incorporação da Yuny.
Ana Carolina Norat, gerente de Aprovações da Even, apresenta opinião semelhante: "Algumas Zonas Mistas [ZMs] e Zonas de Centralidade [ZCs] também estão próximas ao transporte público, mas apresentam maiores restrições". Já Ricardo Pucci, CEO da Galli, questiona por que as faixas exclusivas de ônibus não estabelecem eixos urbanos, assim como os corredores. "A disponibilidade de transporte é basicamente a mesma", afirma.
Nas ZCs, o gabarito de altura máxima é de 48 metros, o que equivale a cerca de 14 andares, mas o coeficiente de aproveitamento é de duas vezes. Felipe Antunes, fundador da Next Realty, indica que este cenário já dificulta a atuação da empresa, especializada em apartamentos compactos. "Financeiramente, não é viável. Estamos conseguindo atuar apenas nos eixos urbanos", declara o executivo.
Zonas Mistas
Juntas, ZCs e ZMs correspondem a 15% da área total de São Paulo e ocupam a maior parte dos miolos de bairro, também chamados de remansos. Ambas também apresentam um elevado custo de outorga onerosa, de acordo com os executivos ouvidos pelo GRI Club.
As Zonas Mistas, por sua vez, apresentam um gabarito de altura máximo de 28 metros, o que equivale a prédios com cerca de oito andares, e o mesmo coeficiente de aproveitamento, de duas vezes. Por isso, elas representam a maior insatisfação do setor imobiliário paulistano em relação ao gabarito de altura.
"Isso deixa de estimular a verticalização em bairros já consolidados e faz com que se construam prédios mais baixos do que os que já estão prontos. Começamos a fugir destas áreas porque os empreendimentos não têm vendido bem", garante Alexandre Mangabeira, diretor-executivo de Incorporação da Tecnisa.
Em sintonia, Guilherme Rossi, sócio fundador e presidente da GR Properties, garante que muitas vezes os novos projetos imobiliários nesses locais estão ficando sem vista em função dos prédios mais verticalizados ao seu redor.
Para o fundador da Ilion Partners, Maxime Barkatz, ter construções de alturas muito diferentes também significa um prejuízo estético para o município. A situação de momento se deve ao "adensamento permitido atualmente ser menor do que nas décadas passadas", como explica Jorge Cury Neto, presidente da Trisul.
Já o diretor da CBRE, Denis Espinosa, lembra que é muito difícil aplicar o coeficiente de aproveitamento do terreno de duas vezes com um limite de altura de 28 metros. Por isso, muitas vezes os projetos também "ficam ruins ou o desenvolvedor imobiliário não aproveita todo o potencial construtivo".
Rodrigo Bicalho, sócio do escritório Bicalho, Mirisola, Bresolin, Dias Advogados, assegura que a inviabilidade dos negócios faz com que as ZMs estejam praticamente fora do mercado de incorporação imobiliária da capital paulista. O especialista considera que, para alterar este contexto e ampliar a oferta de moradia nessas regiões, seria necessário permitir um gabarito de altura que fosse, no mínimo, próximo ao das Zonas de Centralidade (48 metros).
Entretanto, vale lembrar que o Plano Diretor de São Paulo estabelece a dispensa de gabarito para quadras onde 50% da área dos lotes já tenha edificações construídas ultrapassando os limites vigentes. Luciano Amaral, diretor de Incorporação da Benx, aponta que são casos incomuns e que a exceção não tem sido suficiente para fomentar a produção imobiliária dessas áreas.
O executivo ainda entende que um maior gabarito de altura na cidade, independentemente dos edifícios já prontos, garantiria mais áreas verdes. "Aumentar a verticalização com o mesmo coeficiente de aproveitamento significa ocupar menos o terreno com construções", examina Amaral.
Carlos Terepins, CEO da Nortis, concorda que seria preferível acentuar a verticalização, mesmo que os coeficientes de aproveitamento continuem baixos: "A cidade ganharia com isso. Haveria maiores vãos de ventilação e mais iluminação dos próprios edifícios".
Contexto geral
Em resumo, os líderes do setor imobiliário entendem que seriam necessárias mudanças no Plano Diretor de São Paulo para incentivar mais a verticalização, especialmente nos remansos. "O PDE deveria fomentar a ocupação, não só do principal centro da cidade, como das centralidades de cada bairro", diz Francisco Lopes, diretor de Real Estate da Participações Morro Vermelho S/A.
Gustavo Vaz, investment manager da Cyrela Asset, reforça que a restrição de altura para novos edifícios em São Paulo "ignora todo o perfil urbano já existente". Em consonância, Fernanda Mustacchi, sócia do escritório Mustacchi Advogados, questiona "por que nas maiores metrópoles do mundo há prédios altíssimos, mas em São Paulo o gabarito de altura de boa parte da cidade é baixo?".
Observando o gradual espraiamento de São Paulo, Adriano Sartori, vice-presidente da CBRE, acredita que a capital paulista está perdendo a chance de promover o transporte público e ter um skyline semelhante ao das maiores cidades do mundo. O especialista reitera que, por mais que as ZEUs tenham sido criadas nesse intuito, são áreas pequenas nas quais há uma inflação dos preços de terrenos e imóveis, resultando no efeito contrário ao proposto.
Por Daniel Caravetti