
Requalificação dos centros urbanos avança nas capitais brasileiras
Setores público e privado destacam políticas, habitação e incentivos em online meeting do GRI Club
Por Júlia Ribeiro
A requalificação dos centros urbanos no Brasil é um tema que vem ganhando relevância estratégica para a recuperação econômica, social e ambiental das cidades.
Em uma reunião online promovida pelo GRI Club Real Estate Brazil em parceria com o BNDES, lideranças do setor público, financeiro e imobiliário debateram os principais desafios e as soluções em andamento para a regeneração dos espaços centrais das metrópoles brasileiras, destacando a complexidade e a necessidade de sinergia entre diferentes atores.
Diagnóstico e panorama atual
A pandemia de Covid-19 evidenciou a crise das áreas centrais urbanas, principalmente pela perda da função residencial, com a migração de famílias para bairros periféricos. Segundo Felipe Matos, Secretário de Desenvolvimento Urbano e Licenciamento da Prefeitura do Recife, esse ciclo de degradação exige soluções integradas, especialmente com foco no “mix de usos” para recuperar a diversidade e a vitalidade urbana.
“O primeiro passo para resolver um problema é reconhecê-lo. No Recife, por muito tempo houve fala sem atitude para reverter a degradação do centro. Hoje, com governança dedicada, estamos conseguindo avançar com humildade e aprendizado das melhores práticas de outras cidades”, afirma.
O efeito também é sentido nos prédios corporativos. Mesmo com a rica infraestrutura de mobilidade que essas regiões possuem, Flávio Papelbaum, Chefe de Departamento da Área de Estruturação de Projetos do BNDES, afirma que são necessárias políticas que alinhem o interesse público e privado para o repovoamento, contemplando habitação, mobilidade, zeladoria e segurança, além da preocupação com a resiliência climática das cidades.
Entretanto, ficou claro ao longo do debate que as cidades brasileiras já estão desenvolvendo legislações específicas para incentivar a requalificação dos centros. As medidas contemplam incentivos tributários, transferência de potencial construtivo, isenção de impostos como IPTU e ITBI, além de instrumentos como IPTU progressivo e desapropriação por interesse público.
No Rio de Janeiro, o programa Reviver tem atuado de forma prática como um guarda-chuva para diversas iniciativas: o Reviver Centro (que prioriza a habitação como base da recuperação), o Reviver Cultural (incentivo a empreendimentos culturais com horários ampliados) e o Reviver Patrimônio, que promove a restauração em larga escala de imóveis históricos por meio de desapropriações e leilões públicos com subsídios.
“É uma iniciativa ousada para transformar o centro do Rio em um espaço vibrante e multifuncional”, afirma Osmar Lima, secretário de Desenvolvimento Econômico da prefeitura do Rio de Janeiro.
Já em São Paulo, Marcelo Falcão, diretor de Desenvolvimento da Somauma, abordou os avanços da legislação local, como o uso do retrofit para transformar imóveis antigos em ativos voltados ao multifamily (residencial para renda), e apontou desafios técnicos e regulatórios, como a falta de normas específicas para reformas e a insegurança jurídica na incorporação desses empreendimentos.
"A economia criativa tem sido a ponta de lança na ocupação dos centros urbanos. São os early adopters que iniciam a transformação, atraídos por aluguéis acessíveis e ambientes urbanos inovadores", destaca o executivo.
No Recife, o programa Recentro conta com um gabinete na prefeitura dedicado exclusivamente à governança da área central. Uma iniciativa pública de destaque é a parceria público-privada para investimentos de cerca de R$120 milhões em melhorias no espaço público, com ações integradas de zeladoria, segurança e manutenção. Também se desenha uma linha de financiamento subsidiada, em parceria com o Banco do Nordeste e a Sudene, voltada ao retrofit e à habitação em áreas centrais.
Nessa perspectiva, a habitação funciona como âncora para a ocupação e a atração de outros setores. Como ressalta Papelbaum, “sem habitação social no início, não conseguiremos trazer uma diversidade de públicos para o centro. O equilíbrio é delicado, mas fundamental para evitar guetos e promover uma verdadeira regeneração urbana.”
Visão de longo prazo
Contudo, especialistas alertam para a necessidade de atacar problemas estruturais, como a ausência de normas técnicas específicas para edificações antigas, a lentidão dos processos de aprovação e o papel subjetivo de órgãos de patrimônio histórico que muitas vezes dificultam a liberação de projetos.
Para José Police Neto, secretário de Desenvolvimento Urbano do Governo de São Paulo, sem um arcabouço legal robusto e ágil, os avanços podem ficar restritos a iniciativas pontuais e sem perenidade.
A articulação entre municípios, o desenvolvimento de fundos imobiliários focados em retrofit e regeneração urbana, e a participação de investidores de impacto social também foram apontados como caminhos para viabilizar financeiramente os projetos.
Outro destaque foi o papel da tecnologia para ampliar o conhecimento sobre as áreas centrais e facilitar processos de licenciamento e gestão urbana. Os exemplos mostram que a requalificação dos centros urbanos brasileiros está avançando em múltiplas frentes, mas ainda enfrenta desafios que continuarão a ser abordados pelos membros do GRI Club em fóruns específicos a fim de resgatar o potencial dessas áreas e promover um desenvolvimento urbano mais sustentável e inclusivo.