A crise energética no Brasil: o papel das renováveis
Com a crise energética em evidência, reforça-se a discussão de como as fontes renováveis podem ser a resposta para a matriz elétrica brasileira. Na opinião da ABEEólica, esse debate pode ser dividido em curtíssimo, curto, médio e longo prazo. Na visão de médio e longo prazo, não há dúvidas que as renováveis são a solução para a produção de energia no Brasil. A fonte eólica, por exemplo, já é a 2ª fonte brasileira e gerará em média 20% do SIN nos meses de agosto a outubro de 2021, além de contribuir no quesito segurança para o sistema. Sobre as hidrelétricas, a associação ressalta que seu uso precisa ser repensado, pois não devem ser operadas como se a matriz fosse hidrotérmica.
No curtíssimo e curto prazo, as fontes já estão contribuindo para se passar por essa crise fisicamente. No entanto, nem elas e nem as térmicas são a solução definitiva, dado que não têm toda a capacidade. Por vezes, não há gás (é necessária a substituição pelo óleo), ou seja, é inviável contar com as térmicas da forma como se tem colocado.
Expansão da matriz elétrica
O último Leilão de Energia Nova A-5 realizado no dia 30 de setembro de 2021 contratou baixa potência de Garantia Física (GF) em meio à crise atual. A ABEEólica reforça a necessidade de revisitar os conceitos de GF e das usinas hidrelétricas, partindo para uma matriz realmente renovável, pois temos, no Brasil, todas as condições de realizar uma expansão 100% renovável e possuir uma matriz segura, altamente competitiva e ambientalmente correta. É importante mencionar que, no estudo da EPE de 2020 a 2030, ainda não foi considerada a combinação de tecnologia como parque híbrido e baterias, e essas últimas já se tornam viáveis a partir de 2025, tendo efeito consequente na forma como o sistema é operado, utilizando hidrelétricas como bateria.
De acordo com o CEO da Rio Energy, o Brasil não necessita de térmicas para sua expansão, em termos de eficiência e custo. A geração à base de renováveis é mais do que suficiente para garantir a expansão do sistema, e reforça também as novas tendências e tecnologias, como armazenamento e utility-scale. Além delas, a própria Geração Distribuída (GD) fornece maior resiliência ao sistema, com produção mais próxima da carga e transformação de eletricidade em combustível, como o hidrogênio.
Para o Brasil, deve-se aproveitar a infraestrutura existente dos sistemas de transmissão e começar a utilização dos portos como hubs de conexão de energia com outros países (um exemplo é a conexão com a Europa através de Pecém e Suape). Em sua análise, o CEO da Rio Energy afirma que a Europa não alcançará a net-zero em 2050 sem um desenvolvimento muito forte de hidrogênio, pois o continente é extremamente dependente de gás e petróleo.
Transição para economia de carbono neutro
A transição para uma economia de baixo carbono é significativamente distinta entre China e EUA comparativamente ao Brasil, por exemplo. Os dois países são responsáveis por 45% da emissão mundial de gases de efeito estufa, enquanto as emissões do Brasil representam 2%. Nosso país tem custo extremamente baixo para realizar tal transição, já que metade das emissões brasileiras ocorrem devido ao desmatamento. A expansão brasileira precisa advir das energias eólica, solar e de biomassa. São recursos em abundância – e muito acima da média mundial – que, se usados de maneira coordenada, tornam-se totalmente verdes e abrem a possibilidade de exportação para o resto do mundo. Atualmente, há uma oportunidade única para posicionar a economia brasileira em um patamar diferente, porém estamos discutindo coisas do passado, com térmicas de grande porte em contratos de 15 a 20 anos.
Notadamente, hoje a fonte fotovoltaica ganha um papel importante. No entanto, sabe-se que sua presença é mais curta que a fonte eólica, o que foi decisão do governo. Potencialmente, perdeu-se uma oportunidade anos atrás, quando se criou o programa para incentivar fontes renováveis (na época chamadas de “alternativas”), e a fonte solar não fez parte do programa, atrasando 10 anos o seu desenvolvimento. Apesar disso, o Brasil teve a oportunidade de se beneficiar da redução dos preços que a tecnologia teve ao longo dos anos. Nos últimos 10 anos, essa queda foi de 86%.
Em 2021, mais de 60% da população mundial vive em países onde a energia solar é a mais econômica. Além disso, os EUA anunciaram recentemente que a fonte passará a representar de 4% a 45% da matriz nacional até 2050. Esse tipo de iniciativa evidencia a corrida de vários países para fazer parte dessa transição no uso da fonte solar. É uma aceleração que se nota inclusive na ocupação dos espaços industriais – como será distribuída essa nova geopolítica mundial dos recursos energéticos.
Investimentos em renováveis no Brasil
O momento é propício para investir em renováveis, não apenas nos tradicionais projetos de grande porte, mas também nos pequenos de GD, que podem ser agregados e transformados em produtos financeiros interessantes – note-se que 65% dos 55 bilhões de reais investidos em solar no Brasil estão “em telhados” em GD. Essa geração própria ajuda a aliviar a pressão da crise hídrica à medida que os consumidores estão acelerando a adoção dessa tecnologia.
Apesar de o mundo estar buscando essa tecnologia, faz-se relevante olhar os aspectos estruturais para entender a questão de oferta e demanda. Com relação à matéria prima, o principal componente ativo de um módulo fotovoltaico é o silício, 2º elemento mais abundante na crosta terrestre atrás do oxigênio, disponível em reservas de quartzo. O Brasil é um dos cinco maiores produtores de quartzo e silício grau metalúrgico do mundo. Para virarmos referência na fabricação, a resposta é política pública: redução de carga tributária para fabricantes e programas que gerem demanda em escala. Comparativamente, importar módulos fotovoltaicos da China tem um preço de 20% a 30% inferior aos equipamentos fabricados no Brasil, onde há imposto de 40% a 50% na matéria-prima, além do imposto do produto final. Enquanto isso, a China desonera as matérias-primas e a importação dos seus fabricantes para os mercados internacionais.
O A Absolar enfatiza que essas questões são trabalhadas há anos junto com o que agora é o Ministério da Economia, a fim de mudar tal cenário. Do contrário, o Brasil continuará sendo comprador de matéria-prima, como em outros setores (p. ex., o automobilístico). Isso não é impeditivo para o mercado continuar se desenvolvendo, porém ele está exposto a efeitos como a sazonalidade e a corrente de logística. O CEO da Rio Energy salienta o respeito conquistado pelo setor elétrico, que traz bons investimentos e conta com um arcabouço regulatório de quase 30 anos.
O interesse na eólica offshore
A eólica offshore é outra tecnologia das renováveis que ganha importância ultimamente, em que a EPE mostra potencial de 700 GW no Brasil e um estudo do banco mundial apresentou 1 TW. Apesar de o Brasil ter amadurecido do ponto de vista da regulação, a chegada dos investidores pressiona o governo a preparar o mercado para recebê-los. Embora o recurso seja o mesmo do onshore e tenha maior custo (em torno de 500 reais por unidade de energia, em comparação com a venda a R$ 135-177 no último leilão), existe uma grande complementaridade, pois o regime de produção é diferente, o que diversifica a matriz. Não obstante, o Brasil precisa vencer uma série de barreiras, principalmente regulatória: o governo já trabalha em um plano de infraestrutura legal, a ser lançado no Brazil Windpower e há hoje 46 GW de projetos em pedido de licenciamento. O Ibama já elaborou um termo de referência e as licenças contam com possibilidade de emissão de 6 meses a 2 anos. Em seguida, será possível pensar em um leilão offshore.
Aproveitamento da oferta de demanda e planejamento para transformação renovável
É nítido que o Brasil tem excesso de oferta de energias renováveis, e a maneira de melhor explorar esse aspecto é pela combinação de fontes. Por exemplo, pode-se juntar a eólica offshore com o hidrogênio verde – que em 2030 será uma realidade – em projetos em que este seja produzido diretamente. Evita-se, assim, a necessidade de estrutura de transmissão e logística e se faz com que os produtos brasileiros sejam verdes. Diferente de outros países com problemas de backlog de projetos para construir, o Brasil tinha 55 GW (32,2 GW de solar e 22,8 GW de eólica) de projetos habilitados no último leilão, o que poderia representar cerca de 10 anos de pipeline, sem considerar offshore e GD.
Planejamento é fundamental para o Brasil seguir na transformação renovável. O governo iniciou timidamente o movimento que precisa ser acelerado pelos investidores e pela sociedade: o compromisso com a transição sustentável, tanto na matriz elétrica como nos setores produtivos, para alavancar a posição do Brasil no mercado global. A meta governamental de estabelecer uma matriz carbono neutro até 2050 é um passo na direção correta, e talvez possa ser antecipada. Desse modo, começa-se a ter um roadmap de como sair dessa situação de falta de visibilidade e transformar isso em um esforço de todos os stakeholders (investidores, entidades, sociedade) para trabalhar em conjunto.