Agenda do saneamento no Brasil: panorama após reuniões realizadas pelo GRI

Minas Gerais e Goiás ainda não votaram a regionalização; prazo máximo era 15 de julho

18 de agosto de 2021Infraestrutura

Com o objetivo de promover o debate entre governos estaduais, municipais, autarquias, agências reguladoras, operadores e investidores do setor de saneamento básico, o GRI Club Infra realizou uma série de cinco reuniões a partir de maio, iniciando pela Bahia, passando por Goiás, Minas Gerais, Ceará e concluindo por São Paulo, em julho, estipulado como prazo máximo para a definição das estruturas de regionalização. 

A escolha da Bahia como primeiro destino se deveu à antecipação do Estado na divisão dos blocos regionais, que fora realizada antes mesmo da aprovação do novo Marco Legal do Saneamento Básico, ocorrida em julho de 2020. A Lei Complementar nº 48, sancionada em 2019, dividiu a Bahia em duas regiões metropolitanas e outras 19 microrregiões, abarcando todas as 417 cidades. 

No encontro virtual, foram debatidas as perspectivas da implementação dessas regiões e a conformidade com o novo marco visando a universalização dos serviços no Estado. O secretário de Infraestrutura Hídrica e Saneamento, Leonardo Góes, destacou que o entendimento sobre a estruturação de projetos de forma regionalizada foi corroborado pelas novas regras do setor. 

Na ocasião, uma das preocupações foi a atratividade econômico-financeira dos blocos, sobre a qual não se descartou a possibilidade de rearranjo de modo a criar condições adequadas para a entrada do investimento privado. “Nós entendemos que o modelo tem uma certa flexibilização, mas com a garantia de que o pacote busque o equilíbrio sem a perda de um ou outro [município] que seja âncora de determinada área”, disse o presidente da Embasa (Empresa Baiana de Águas e Saneamento), Rogério Cedraz.

Desde então, o Governo do Estado da Bahia abriu consultas públicas para a elaboração dos planos regionais de duas microrregiões: Litoral Sul e Baixo Sul, no final de julho, e Extremo Sul, no início de agosto. A primeira concessão deve ocorrer na Região Metropolitana de Feira de Santana, em um modelo de Parceria Público-Privada (PPP). A expectativa revelada pelo secretário Leonardo Góes é que o contrato seja assinado entre dezembro de 2021 e janeiro de 2022. 



 

Ceará e São Paulo também avançam

A reunião virtual sobre a regionalização do saneamento no Ceará ocorreu no início de julho, quando o Projeto de Lei Complementar já havia sido aprovado. O Estado foi dividido em três regiões, sendo a maior delas a Região Metropolitana de Fortaleza, além de outras duas de tamanho semelhante, cada qual respondendo por cerca de 25% da população. 

O desenho considerou a delimitação das bacias hidrográficas cearenses e o compartilhamento da infraestrutura operacional dos sistemas de água e esgoto. Embora as duas regiões menores tenham as cidades de Sobral e Cariri em suas estruturas, o que em tese ajuda a dar escala para a prestação dos serviços e as torna viáveis economicamente, apenas a RM de Fortaleza é atrativa financeiramente para o setor privado, segundo reconheceu o secretário das Cidades, Paulo Lustosa, no evento do GRI

O fato, porém, não assusta o governo estadual, segundo o próprio Lustosa, já que a regionalização é deliberada pelo novo marco legal e existe a previsão de que os recursos não onerosos do orçamento da União privilegiem as regiões que não forem financeiramente viáveis com as tarifas praticadas atualmente.

A Cagece (Companhia de Águas e Esgoto do Ceará) atende hoje 151 dos 184 municípios cearenses e estima que sejam necessários investimentos de R$ 15 bilhões para universalizar o saneamento básico nos próximos 30 anos. Para atender as metas fixadas até 2033, ou seja, 90% do esgoto recolhido e tratado e 99% de abastecimento de água nos domicílios, o montante cai para R$ 10 bilhões. 

O presidente da Cagece, Neurisangelo de Freitas, chamou atenção para o atraso na publicação do decreto que visa atestar a capacidade de investimento das estatais. A leitura é de que o prazo - 31 de dezembro - é “curtíssimo”. Freitas também alertou para a lentidão nas resoluções que precisam ser criadas pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA). Até o momento, apenas a resolução de resíduos sólidos foi publicada. 

A preocupação é compartilhada pelo diretor da Arsesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos de São Paulo), Gustavo Frayha: “Eram cinco ou seis normas previstas no 1º semestre, foi feita apenas uma. Está em andamento a consulta pública da segunda e as outras três ainda não iniciaram. Tem outras duas previstas para o 2º semestre que são fundamentais para o saneamento andar. Eu tenho expectativa que a ANA faça um bom trabalho. Pena que vamos precisar de um ano e meio para isso”, disse na reunião do Estado de São Paulo, a única presencial.

Com o avanço da vacinação em São Paulo, a reunião foi realizada presencialmente, mas com capacidade limitada. Foto: Camila França/GRI Club

No dia 6 de julho, foi sancionada a Lei 17.383/2021, que dispõe sobre a criação de unidades regionais de saneamento básico. De acordo com Marcos Penido, secretário estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente, a meta é alcançar a universalização do acesso à água, coleta e tratamento de esgoto antes de 2033, prazo máximo definido pelo novo marco legal. 

São Paulo terá quatro unidades regionais: a maior delas é a Sudeste, com 370 municípios atualmente atendidos pela Sabesp; as outras três são: Norte (142 municípios), Centro (98 municípios) e Leste (35 municípios). Com exceção do bloco atendido pela Sabesp, todos os outros têm cerca de 5 milhões de habitantes e precisam de R$ 3 bilhões para alcançarem a universalização, segundo Penido. 

Ao contrário do Ceará, São Paulo não fez a divisão dos blocos com base nas bacias hidrográficas. Segundo o secretário de Infraestrutura e Meio Ambiente, o critério utilizado foi o equilíbrio econômico-financeiro de modo que todas as regiões tenham atratividade para os investimentos necessários, sem onerar o consumidor.

Neste sentido, optou-se por manter a estrutura da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), no qual já existe “o pleno cumprimento daquilo que está estabelecido no marco legal: condição de universalizar, subsídio cruzado e ganho de escala”. O superintendente da companhia, Marcel Sanches, disse que 200 municípios atendidos atualmente já têm atendimento universalizado.

Sobre a possibilidade de que os municípios recusem a participação no bloco destinado, o Governo do Estado de São Paulo realizará roadshows com grupos de prefeitos a partir deste mês para convencê-los sobre as vantagens da regionalização. Além disso, joga a favor a determinação do novo marco sobre a captação de recursos federais, o que é vedado se a opção for pela prestação individualizada. 

Já em relação aos resíduos sólidos, que não constam na regionalização aprovada, o governo paulista sinalizou que, em um primeiro momento, deve realizar um trabalho de consultoria junto aos municípios a fim de evidenciar a necessidade de mudar o tratamento do assunto, principalmente em relação ao destino final. Depois, a ideia é estruturar um novo modelo para o serviço, que deve ser custeado pela inclusão da tarifa na conta de água e esgoto. 

Minas Gerais e Goiás perdem prazo máximo para regionalização própria

Outros dois Estados que receberam reuniões organizadas pelo GRI, Minas Gerais e Goiás não aprovaram os respectivos projetos de lei de regionalização do saneamento dentro do prazo estipulado pelo novo marco regulatório - 15 de julho. Dessa forma, o governo federal poderá intervir para realizar a divisão, mas a tendência é que haja uma participação colaborativa, conforme indicou o secretário nacional de Saneamento, Pedro Maranhão, ao Broadcast Político. 

Assim como o Ceará, Minas considerou o recorte das bacias hidrográficas no planejamento para a universalização dos serviços de água e esgoto em seus 853 municípios. Já no tocante aos resíduos sólidos, foi mantida a organização vigente em consórcios intermunicipais para a coleta e destinação final. 

O projeto de lei - que ainda tramita na Assembleia Legislativa - também foi elogiado na reunião pela estrutura de governança das unidades, que inclui a participação dos comitês de bacias hidrográficas com representatividade que corresponde a 10%. O governo estadual detém 15% e o restante é reservado aos municípios que compõem as unidades regionais. Resta saber se o texto ainda será votado e também se terá validade, uma vez que o prazo foi ultrapassado. 

Após ajustes na modelagem inicial, o Governo de Minas Gerais concluiu a divisão do Estado em 22 unidades. Segundo a secretária de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Marília Melo, mesmo que sejam excluídos municípios hoje superavitários e aqueles atendidos por operadores privados, haverá viabilidade econômico-financeira em todos os blocos. Estima-se que sejam necessários R$ 19 bilhões para universalizar o saneamento básico até 2033. 

O CEO da Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), Carlos Eduardo Castro, destacou que o maior ponto de atenção no momento é a dependência de outros atores para comprovar a capacidade financeira da empresa. Nas palavras de Castro, será preciso “trocar a roda com o carro andando”.

A ideia é que o primeiro edital a ser lançado no mercado contemple a unidade regional do Jequitinhonha. “Estamos contratando o IFC para fazer a modelagem desse primeiro bloco. Tão logo seja aprovado o projeto de lei, queremos iniciar o processo de concessão com a participação dos municípios envolvidos”, disse Melo.

A modelagem em Minas Gerais não levou em consideração os recursos da União que, segundo o marco do saneamento básico, devem ser disponibilizados para as unidades regionais. “Não há uma sinalização clara dos valores aportados nem como será feita essa injeção de recursos, por isso não contamos com aportes adicionais”, explicou na ocasião a representante da Semad. 

Goiás vive situação parecida. As duas audiências públicas para debater a modelagem da regionalização do saneamento foram realizadas em Anápolis e Goiânia nos dias 12 e 13 de julho, conforme havia indicado na reunião virtual o superintendente de Recursos Hídricos e Saneamento da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Marco Neves

Porém, até o momento o Projeto de Lei Complementar não foi aprovado pela Assembleia Legislativa. O desenho apresentado divide Goiás em duas regiões - Centro-Oeste e Centro-Leste - de tamanhos semelhantes, entre 3 milhões e 3,5 milhões de habitantes. O abastecimento de água já contempla cerca de 97% da população em ambas as regiões e o esgotamento sanitário é mais deficiente na região Centro-Leste (56% da população atendida) do que na Centro-Oeste (70%). 

O principal desafio em Goiás são os resíduos sólidos, área na qual os trabalhos precisam partir praticamente da estaca zero, segundo as autoridades. Atualmente, existem apenas 17 aterros sanitários licenciados, número muito baixo para atender a produção de resíduos dos 246 municípios goianos. Estima-se que sejam necessários investimentos de R$ 1,2 bilhão apenas neste grupo.

Somente 20 municípios não são atendidos pela Saneago (Companhia Saneamento de Goiás). Segundo o diretor Financeiro, de Relação com Investidores e Regulação da empresa, Paulo Battiston, a Saneago deverá firmar contratos com a iniciativa privada para alcançar a universalização, como no abastecimento de água de Goiânia, onde precisa ser construída uma nova barragem. 

Sobre a comprovação da capacidade econômico-financeira, o atraso para sua publicação vai dificultar a entrega dos documentos no prazo estipulado - dezembro de 2021 -, mas a companhia conseguirá atendê-lo, segundo Battiston. Outro desafio será a finalização do processo nas agências reguladoras dentro do prazo-limite, previsto para março de 2022 (três meses após receberem os documentos). 

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Por Henrique Cisman