Armazenamento, próxima barreira a ser superada na transição energética

Os principais players de energia debatem com Ricardo Tili (ANEEL) os avanços da legislação em fórum exclusivo do GRI Club

26 de maio de 2025Infraestrutura
Por Belén Palkovsky 

Dada a natureza intermitente das fontes de energia renovável, como a solar e a eólica, a questão do armazenamento desponta como um dos principais vetores para o avanço da transição energética, pois sem uma disponibilidade constante, desafios como o curtailment comprometem os investimentos destinados ao setor. 

O mercado brasileiro de armazenamento de energia tem potencial para atrair R$44 bilhões em investimentos até 2030, segundo a Associação Brasileira de Armazenamento de Energia. No entanto, o atual quadro regulatório ainda impõe barreiras que limitam sua competitividade, conforme aponta o Plano Decenal de Energia 2034 - principal instrumento de planejamento do setor energético para a próxima década. 

O PDE projeta demanda, oferta, expansão da geração e infraestrutura, com foco na sustentabilidade e diversificação da matriz, além de analisar cenários econômicos e tecnológicos para orientar políticas e investimentos. Ele destaca a incorporação de fontes renováveis e tecnologias emergentes, como o armazenamento, buscando equilíbrio entre crescimento econômico, segurança energética e menor impacto ambiental. Atualizado anualmente, o plano é referência fundamental para reguladores e investidores.

A falta de uma regulamentação consolidada, a elevada carga tributária sobre equipamentos importados e a necessidade de modelos tarifários e de acesso à rede mais claros são alguns dos desafios centrais enfrentados atualmente. 

Nesse cenário, membros do GRI Club Infra atuantes no setor de energia renovável reuniram-se em São Paulo com Ricardo Tili, presidente da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), para debater esses entraves e propor soluções conjuntas, tanto de parte das autoridades quanto da esfera privada. 

A Consulta Pública nº 39/2023, lançada pela ANEEL, já é um passo importante no estabelecimento de um marco regulatório abrangente para diferentes tecnologias de armazenamento, incluindo baterias químicas, usinas reversíveis hidráulicas e outras soluções, como o armazenamento por compressão e expansão de CO2, este último ainda em fase experimental. 

Os três pilares principais da proposta contida na consulta são: 

  • Autorização para agentes armazenadores, que serão regulados como ativos de geração para fins de outorga;
  • Condições de acesso à rede elétrica, incluindo o estabelecimento de contratos e tarifas adequadas para diferentes perfis de uso;
  • Empilhamento de receitas, permitindo a remuneração simultânea por múltiplos serviços prestados pelo mesmo ativo, como armazenamento, regulação de frequência e tensão, e backup, maximizando a viabilidade econômica dos projetos.
No entanto, a regulamentação ainda enfrenta discussões complexas sobre como classificar o agente armazenador autônomo, já que ele não gera energia nem é mero consumidor, o que levou à decisão provisória de enquadrá-lo como ativo de geração até que haja legislação específica. 

Outro ponto crítico é o perfil predominante de uso da bateria, que determina a tarifa aplicável - se mais consumidora ou geradora -, o que traz implicações importantes para a receita e o custo operacional. 

A definição clara desses aspectos é fundamental para garantir segurança jurídica e atrair investidores, que atualmente enxergam o armazenamento como uma extensão da geração distribuída.

A elevada carga tributária, que pode chegar a 70% do valor dos equipamentos devido a ICMS, IPI, PIS/COFINS e imposto de importação, também representa um obstáculo para o desenvolvimento da cadeia produtiva nacional e a expansão do mercado.

Além dos aspectos regulatórios, questões técnicas e operacionais foram debatidas, incluindo o papel do armazenamento na estabilidade do sistema elétrico. 

Embora ainda não haja previsão para flexibilizar o critério N-1 - que exige que o sistema elétrico suporte a perda de um componente sem comprometer o fornecimento -, a remuneração separada por serviços ancilares, como controle de frequência, tensão e outros, está em estudo. Essa remuneração será essencial para garantir a operação eficiente dos ativos de armazenamento, permitindo que eles contribuam de forma mais efetiva para a estabilidade e segurança do sistema elétrico.

Projetos-piloto e sandboxes tecnológicos estão em andamento para testar essas soluções, e a expectativa é que, ao longo dos próximos anos, o armazenamento se consolide como componente essencial para a segurança e flexibilidade do sistema.

A discussão também abordou a compatibilização do armazenamento com leilões de energia, especialmente a necessidade de produtos específicos para baterias, diferenciados dos leilões tradicionais de geração térmica. 

A criação de produtos com durações e características próprias, como leilões para baterias de quatro horas, 24 horas ou semanas, deve aumentar a competitividade e o interesse dos investidores. 

O prazo dos contratos, alinhado à vida útil atual das baterias (em média 10 a 15 anos), também é um fator decisivo para a financiabilidade dos projetos, com impactos diretos nos custos de capital.

No cenário internacional, experiências em países como Chile, Austrália, Espanha e Reino Unido são referências para o Brasil. Em mercados maduros, observa-se um ecossistema regulatório claro, segurança jurídica consolidada e modelos tarifários que favorecem a otimização do uso do sistema elétrico, permitindo redução dos montantes contratados de transmissão e uma melhor utilização das linhas existentes. 

O Brasil, embora com vasto potencial renovável e uma rede bem estruturada, ainda enfrenta atrasos, especialmente pela ausência de políticas eficazes para internalizar a cadeia produtiva e reduzir a dependência de importações, principalmente da China.

Outro ponto destacado é o papel da ANEEL como fomentadora da inovação. Nesse sentido, Tili enfatizou a disposição para dialogar com o mercado, conduzir uma regulação transparente e colaborativa, e avançar de forma dinâmica, priorizando a regulamentação dos pontos mais críticos e abrindo espaço para testes e aperfeiçoamentos futuros. 

A ideia é que a regulamentação seja publicada ainda no primeiro semestre de 2025, o que, por sua vez, vai possibilitar a estruturação de leilões. 

Por fim, foi ressaltada a importância de adequar os sinais de preço no setor, eliminando distorções que dificultam a entrada de novas tecnologias e o equilíbrio do sistema. 

A transformação do mercado de geração distribuída, a flexibilização do consumo com tarifas horárias e a promoção de programas de capacitação profissional são estratégias complementares para assegurar a expansão do armazenamento. 

Com um mercado ainda em formação, mas com amplo potencial, o armazenamento de energia promete ser o elo decisivo para que o Brasil alcance um sistema elétrico mais eficiente, resiliente e alinhado com as metas ambientais globais. 

O GRI Club Infra seguirá acompanhando de perto esse processo, reunindo os principais atores para debater os avanços e desafios de uma agenda que promete transformar o setor elétrico nos próximos anos.