Autorização ferroviária pode gerar mais R$ 80 bilhões em investimentos
Pelo menos catorze projetos já foram solicitados ao governo federal desde a publicação da MP 1.065
Publicada em 30 de agosto, a medida provisória (MP) 1.065 traz alguns dos pilares do PLS 261, em tramitação no Congresso desde 2018, para modernizar o setor ferroviário brasileiro. A principal novidade é o instrumento de autorização para a construção e operação de linhas, uma alternativa simplificada e mais atrativa ao modelo tradicional de concessão.
A MP tem o apoio da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), uma das mais importantes entidades do setor. Há casos bem-sucedidos de iniciativas semelhantes em outras áreas da infraestrutura, como as telecomunicações e os portos, indicando que o movimento tende a ser benéfico para a melhoria dos serviços.
O texto da medida provisória prevê dois tipos de autorização: projetos greenfield e brownfield. No primeiro, as empresas interessadas em construir e operar determinado trecho realizam os estudos e apresentam o projeto para análise da União. Se aprovado, cabe ao governo atuar como órgão licenciador - o Ibama no licenciamento ambiental, por exemplo - e regulador, por meio da ANTT, com foco nas questões de segurança operacional.
“Neste caso, é um empreendimento efetivamente privado, embora a União possa ajudar com a desapropriação das áreas envolvidas na construção. É um modelo que tende a ser o mais flexível possível do ponto de vista regulatório porque não tem a incidência das normas que dizem respeito aos bens públicos”, explica o diretor executivo da ANTF e diretor da seção de transportes ferroviários da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Fernando Paes.
Segundo o superintendente de Transporte Ferroviário substituto da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), Fernando Formiga, a ideia da MP é permitir que as próprias administradoras se associem e façam uma autorregulação sobre padrões técnicos e operacionais. “À Agência caberia monitorar aspectos de segurança do sistema. Certamente, isso trará maior dinamismo para o desenvolvimento do setor”, diz.
Uma segunda possibilidade no regime de autorização é por chamamento, no qual a União seleciona trechos já existentes que estejam ociosos ou sejam inviáveis na modelagem econômico-financeira das concessões. “Eles podem ser vantajosos na modalidade de autorização porque as amarras são menores, o custo operacional é mais baixo e os prazos [do contrato] são mais longos”, afirma Paes.
O diretor da ANTF e da CNT indica alguns trechos que se encaixam nesta segunda categoria, como a Ferrovia Centro-Atlântica em partes do Rio de Janeiro e de Minas Gerais e a Malha Paulista entre Cajati e Santos.
Na cerimônia de lançamento da MP 1.065, foram apresentadas solicitações de dez projetos de construção de ferrovias (greenfield) no regime de autorização: “De lá para cá, houve mais quatro, então são pelo menos catorze projetos propostos pelas empresas. O governo estima mais de R$ 80 bilhões de investimentos nesses projetos. Se isso vingar, realmente será uma revolução no setor ferroviário”, opina Fernando Paes.
Nova Ferroeste
Dos projetos de autorização mencionados, quase um terço corresponde à ampliação da Estrada de Ferro Paraná Oeste S.A, mais conhecida como Ferroeste. Estão em análise no Ministério da Infraestrutura os trechos de Maracaju (MS) a Dourados (MS), Guarapuava (PR) a Paranaguá (PR), Cascavel (PR) a Foz do Iguaçu (PR) e Cascavel (PR) a Chapecó (SC), totalizando 933,2 km.
O coordenador do Plano Estadual Ferroviário do Paraná, Luiz Henrique Fagundes, diz que o governo local é entusiasta do regime de autorização, tendo sancionado no primeiro semestre uma lei estadual sobre o tema. “Ela foi construída de maneira harmônica com o Ministério da Infraestrutura. Basta ver que a medida provisória está casando perfeitamente”, afirma.
Fagundes conta que o Governo do Paraná identificou pelo menos 300 km de trechos passíveis de investimento privado para construção e operação de short lines, a maior parte situada no trecho abarcado pela Nova Ferroeste. “Hoje, a infraestrutura ferroviária disponível no Paraná é uma inibidora desse processo. Com a Nova Ferroeste, vai chover pedidos de autorização”, prevê a autoridade.
Segundo o Governo do Estado do Paraná, a Nova Ferroeste vai passar por 41 municípios e será o segundo maior corredor de exportação de grãos e contêineres do país em volume de carga, com valor estimado em 3% do PIB nacional. Estima-se que devem passar cerca de 38 milhões de toneladas no primeiro ano de operação.
“A questão do marco regulatório no âmbito federal é muito importante para potencializar a Nova Ferroeste”, comemora Fagundes. Com a área de influência da ferrovia ampliada, a exemplo do trecho que vai até Chapecó (SC), caminha-se para a criação do “corredor do milho”, proposta pela Associação Brasileira de Proteína Animal, já que o gargalo no transporte da commodity é um problema relevante atualmente.
Segundo o coordenador, os roadshows com investidores ocorrem a partir de outubro. No mês seguinte, terá início o processo para obtenção do licenciamento ambiental. A intenção do Governo do Paraná é colocar a ferrovia em leilão na B3 até o final do primeiro trimestre de 2022. O consórcio que vencer a concorrência será responsável pelas obras e poderá explorar a ferrovia por 60 anos. O investimento é estimado em R$ 30 bilhões.
Adaptação de contratos
O diretor da ANTF e da CNT, Fernando Paes, explica que a MP 1.065 permite a migração do contrato de concessão para o de autorização se for comprovada concorrência desleal em função de um novo entrante com a disparidade de modelos. “Enquanto a adaptação não ocorrer, a empresa tem direito a um reequilíbrio econômico-financeiro, já que a receita vai diminuir por um ato voluntário do poder concedente”, pontua.
Paes acrescenta que a medida provisória foi além do PLS 261 ao criar uma segunda possibilidade de adaptação, dessa vez mediante contrapartida. “Se o concessionário quiser ampliar a ferrovia, a MP prevê que o investimento deve corresponder a, no mínimo, 50% da extensão da malha concedida (km) ou do volume que pode ser transportado, tornando-se a empresa, então, elegível para fazer a migração de concessão para autorização”.
O superintendente de Transporte Ferroviário substituto da ANTT, Fernando Formiga, assinala que a migração dos contratos de concessão para o regime de autorização é uma faculdade das administradoras ferroviárias. “Cabe ao Ministério da Infraestrutura a decisão de adaptação do contrato, cujo parâmetro será a busca pela eficiência econômica”.
Um terceiro ponto elogiado pela ANTF - além do regime de autorização e da possibilidade de adaptar os contratos - é que a MP procurou melhorar questões regulatórias, como as regras para contratação de seguros e no trato de acidentes cuja causadora não foi a concessionária (suicídios, por exemplo).
“A medida provisória esclarece a competência da ANTT para editar normas operacionais uniformes, como tamanho de composição dos trens, velocidade máxima em perímetro urbano e uso ou não de buzina em determinados locais. Isso é importante porque algumas cidades querem legislar sobre o setor ferroviário”, indica Paes.
A expectativa do setor é que o texto seja apreciado com alguma celeridade na Câmara para ser encaminhado ao Senado. O prazo de validade da MP 1.065 é de 60 dias, prorrogáveis por igual período. “A aposta do governo federal é que esses doze projetos estejam próximos de ser autorizados, e aí a aprovação da MP ganha mais importância. Deixar ela caducar pode implicar em retrocesso e perda de investimentos”, finaliza o diretor da ANTF e da CNT.
Por Henrique Cisman
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