Ferrogrão é passo fundamental rumo ao desenvolvimento sustentável
Nova linha vai melhorar a logística de grãos e reduzir a emissão de poluentes
Maior projeto de infraestrutura de transportes do Brasil, a Ferrovia EF-170 (Ferrogrão), desenhada pelo Ministério da Infraestrutura, tem o apoio dos produtores agrícolas e da maioria dos operadores ferroviários, assim como agrada ao Governo do Mato Grosso, de onde saem os maiores volumes de soja e milho para exportação.
O secretário estadual adjunto de Logística e Concessões, Huggo dos Santos, destaca a importância da produção de commodities para o PIB nacional e a posição de liderança do Estado do Mato Grosso neste aspecto, onde a quantidade de grãos produzida só tende a crescer em virtude do avanço tecnológico.
“Essa questão das ferrovias é muito importante para o Mato Grosso”, resumiu a autoridade estadual em breve entrevista concedida ao GRI.
Atualmente, 70% da produção de grãos do Estado é escoada para a região Sudeste rumo ao Porto de Santos, distante mais de 1,5 mil km. A chegada da Ferrogrão, somada à expansão da Malha Norte e à construção da FICO - ambas já aprovadas - trará benefícios para os produtores.
Especificamente sobre a EF-170, que terá 933 km de extensão e ligará os municípios de Sinop (MT) e Itaituba (PA), a vantagem é a menor distância do transporte de grãos para os portos do Arco Norte, o que pode baratear os custos do frete em até 40%, segundo projeções do Ministério da Infraestrutura.
O diretor executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários (ANTF), Fernando Paes, destaca a precariedade da infraestrutura de transporte na região norte do Mato Grosso até o sul do Pará, onde a única alternativa é a rodovia BR-163, cujas obras levaram mais de quatro décadas para serem concluídas.
“A gente defende que o Brasil possa ter no transporte de todos os produtos - e neste caso especificamente da produção agrícola - a mesma eficiência que tem no minério de ferro. As três ferrovias que têm essa vocação (Estrada de Ferro Carajás, Estrada de Ferro Vitória a Minas e MRS) estão entre as dez mais eficientes do mundo”, afirma Paes.
Dadas as grandes distâncias entre as regiões produtoras e os portos e o enorme volume de grãos transportado, a melhor opção para o escoamento são as ferrovias. Hoje, mais da metade da soja ainda é levada aos portos por meio das rodovias, o que acarreta maior emissão de gás carbônico, manutenção muito mais frequente das pistas e mais acidentes, indica Paes.
“Uma composição ferroviária com 120 vagões - modelo já implementado no Estado de São Paulo, por exemplo - é capaz de transportar, em grãos, o equivalente a 368 caminhões, então imagine o impacto disso. A gente precisa ter mais ferrovias para atender ao agronegócio”, ratifica o diretor executivo da ANTF.
Haverá mercado para três ferrovias concorrentes?
Como já mencionado, o Estado do Mato Grosso receberá a construção da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO), contrapartida exigida pelo Ministério da Infraestrutura para a renovação antecipada das ferrovias EFC e EFVM, e a expansão da Malha Norte no regime de autorização estadual.
Assim, um dos questionamentos sobre a Ferrogrão é de ordem mercadológica: há demanda para tamanha oferta? Segundo Paes, a resposta é sim, considerando que o consumo de alimentos (soja e milho, principalmente) tende a aumentar nos próximos anos. “A Ferrogrão vai começar a operar daqui a dez anos, sendo otimista. Tudo indica que, até lá, haverá mercado para três ferrovias, então essa é nossa aposta”.
Neste sentido, já existem potenciais interessados na concorrência pela nova linha ferroviária, como a Hidrovias do Brasil, que tem como proprietário o Pátria Investimentos, e a VLI Logística, da Vale.
Inicialmente, a ideia do governo federal era que os investimentos fossem 100% privados, na forma de autorização. Diante da dificuldade na aprovação do PLS 261, o Ministério da Infraestrutura já fala em uma possível edição de medida provisória com este fim.
Por outro lado, o mercado vê na concessão um modelo mais pragmático e, portanto, seguro, sendo esta a modelagem adotada no projeto da Ferrogrão, que prevê um prazo de 69 anos para o vencedor do leilão.
Decisão monocrática no STF é o principal entrave
Em 15 de março, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, deu parecer favorável a uma liminar apresentada pelo PSOL, determinando, assim, a paralisação da concessão da EF-170, que já estava sendo analisada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), seguindo o rito necessário.
“O ministro julgou uma ação direta de inconstitucionalidade (Adin) segundo a qual a Lei 13.452/2017 é inconstitucional porque não observou o devido processo legal. O argumento é que ela deveria ter sido objeto de promulgação via processo legislativo formal, e não como a conversão de uma medida provisória, neste caso, a MP 758”, explica Rosane Lohbauer, sócia do escritório Madrona Advogados.
Para a especialista, a decisão monocrática encontra respaldo em alguns artigos da Constituição Federal, como o 63 - estabelece as matérias que não podem ser editadas via medida provisória - e o 252, que garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, ao uso comum do povo e o dever de defendê-lo.
Por outro lado, Lohbauer pondera que o assunto foi pautado na Câmara e no Senado e, dado o baixo impacto ambiental, poderia dispensar maior participação popular, pelo menos em um primeiro momento. “O Procurador-Geral da República, Augusto Aras, entrou com um pedido para que o STF reconsidere a decisão”, lembra a advogada.
Para que a Ferrogrão seja construída conforme o desenho atual, a Lei 13.452/2017 excluiu 862 hectares do Parque Nacional do Jamanxim, no Pará, onde passarão os trilhos da ferrovia. A área corresponde a 0,054% da unidade de conservação.
O pedido da PGR, feito dois dias após a decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, ainda não foi apreciado. A leitura de agentes do setor é que os constantes desentendimentos entre membros do STF - sobretudo Moraes - e o presidente Jair Bolsonaro sejam um grande empecilho para a resolução do entrave.
Se a liminar for aprovada em plenário, é provável que a rota da Ferrogrão seja modificada. Mesmo assim, o projeto sairá do papel, conforme indicou há poucos dias o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, em uma publicação feita nas redes sociais. O custo do projeto, estimado pelo mercado entre R$ 10 bilhões e R$ 12 bilhões, ficaria cerca de R$ 2 bilhões mais caro.
Para o diretor executivo da ANTF, Fernando Paes, o impasse é totalmente “sanável” e a associação pretende atuar para que o debate ocorra da melhor forma possível, pois não é interessante que o projeto permaneça travado.
“O processo da Ferrogrão estava no TCU, depois seria licitado e na sequência teria que passar por um procedimento de licenciamento ambiental, que acreditamos que possa ser realizado de forma séria, com respeito total à legislação e ao meio ambiente”, afirma.
“Já ouvi alguns ambientalistas dizendo o seguinte: ‘a ferrovia, se bem licenciada, é muito melhor para a região Amazônica do que duplicar a BR-163’, que é uma demanda do mercado, e ela vai se impor. O próprio ministro Tarcísio ressaltou essa pressão em algumas entrevistas que concedeu recentemente”, acrescenta Paes.
MP solicita ao TCU consulta aos povos indígenas
Segundo Rosane Lohbauer, outro entrave para a realização do leilão da EF-170 é o pedido do Ministério Público junto ao TCU para que os estudos de viabilidade para a concessão do empreendimento sejam devolvidos à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que deve ouvir os povos indígenas afetados pela Ferrogrão, em cumprimento ao disposto na Organização Internacional do Trabalho.
“Em função de ser signatário desse documento, a gente se obriga a fazer essa consulta popular aos povos indígenas, o que não foi feito”, explica a advogada. “Por outro lado, o otimismo do Ministério da Infraestrutura se justifica pela não obrigatoriedade de obtenção da licença prévia para a publicação do edital”, contrapõe a sócia do Madrona Advogados.
“O que o Ministério da Infraestrutura e o PPI (Programa de Parcerias de Investimentos) entendem é que será feita essa consulta em um momento oportuno, que é o momento do licenciamento prévio ambiental. Há argumento para os dois lados. Precisamos esperar o parecer do TCU”, completa Lohbauer.
“No licenciamento de um projeto desse porte não é só o Ibama que atua, como também a Funai, a Fundação Palmares se tiver quilombolas, diversos órgãos do Executivo federal, os governos estaduais e as secretarias. A soja vai continuar passando por ali, ela atravessa a Amazônia de sul a norte em quantidades absurdas de caminhão, e a tendência é esse volume aumentar”, encerra Fernando Paes.
Por Henrique Cisman