Governo quer flexibilizar debêntures e fazer ajustes na lei de concessões

Secretário do PPI, Marcus Cavalcanti falou sobre os planos para destravar investimentos em infraestrutura e energia

28 de setembro de 2023Infraestrutura
Por Henrique Cisman

Membros do GRI Club Infra se reuniram com o secretário especial para o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) da Casa Civil da Presidência da República, Marcus Cavalcanti, para um debate sobre as novas ações do PPI, avanços regulatórios e prioridades na estruturação de projetos de infraestrutura e energia. A reunião ocorreu na sede do Lefosse, em São Paulo, com moderação de Eduardo Hayden Carvalhaes Neto, sócio do escritório. 

Neto destaca o grande número de projetos focados em transporte e logística na carteira do PPI, e que talvez estas sejam as áreas em que há maior gap de investimentos. Segundo Cavalcanti, a carteira - hoje com quase 300 projetos - não está inflada e há boas perspectivas de ampliá-la. 

A autoridade ressalta o anúncio do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que prevê investimentos públicos de até R$ 70 bilhões por ano, e chama a atenção para a participação do setor privado, avaliada como "importantíssima". 

Cavalcanti afirma que a prioridade máxima é retomar obras inacabadas, especialmente escolas, creches e postos de saúde, e que para isso o governo corrigirá os repasses a Estados e Municípios. "Não adianta exigir que os governadores ou prefeitos concluam as obras com valores de oito anos atrás". 

No segmento habitacional, são pelo menos 130 mil unidades inacabadas no Minha Casa, Minha Vida, algumas semiprontas há mais de quatro anos. O governo federal já aumentou o valor do teto que pode ser subsidiado - bem como ampliou o percentual de subsídio para 95%. "As construtoras apresentaram três vezes mais cadastros do que temos capacidade de contratar", diz Cavalcanti. 

Reunião foi privada para membros do clube (Imagem: GRI Club)

Outro ponto prioritário na agenda do PPI é avançar em questões regulatórias, como o projeto de lei que altera regras de debêntures para incentivar mais emissões. "Não podemos capitalizar banco público com recursos da União, então precisamos de fontes de financiamento mais baratas para quem vai investir. As modificações vão permitir a emissão de uma linha específica de debêntures voltadas a fundos de pensão - já que eles se beneficiam da isenção do imposto de renda - e a possibilidade de emissão de debêntures em moeda estrangeira. 

Em relação a este último ponto, Cavalcanti argumenta que é uma forma de atrair mais interesse de investidores externos, inclusive em fundos geridos por empresas nacionais: "O investidor prefere comprar debêntures de uma concessionária do que entrar como sócio na concessão". A expectativa é que a aprovação das novas regras seja tranquila e rápida. 

Também está nos planos, segundo o secretário do PPI, fazer intervenções pontuais na lei de concessões a fim de "tranquilizar os próximos investimentos". O executivo defende que é preciso deixar claro que o risco de demanda pode ser compartilhado na concessão, como já foi realizado na modelagem dos lotes de rodovias no Paraná. O governo ainda estuda criar critérios para o financiador poder intervir na SPE, de modo que haja mais segurança para os credores. 

Perguntado por Eduardo Neto sobre o acompanhamento do PPI após a assinatura dos contratos, Marcus Cavalcanti argumenta que as agências reguladoras têm um papel de gestão do contrato, observando se os investimentos foram ou não realizados conforme os prazos estabelecidos para eventuais aplicações de multas quando há descumprimento. "Se o investimento não ocorreu porque a licença ambiental não foi liberada, isso não está sinalizado em lugar nenhum". 

A autoridade defende que o PPI faça uma gestão técnica do contrato para auxiliar no cumprimento do que está previsto, sem que isso signifique rebaixar a importância das agências reguladoras. "Ninguém vai fiscalizar as agências. A ideia é trabalhar junto com elas, esse é o acompanhamento que vamos fazer", afirma. 

No âmbito regulatório, Cavalcanti ainda ressalta que o marco ambiental precisa ser revisado. "Nós vamos eliminar os extremos. O projeto de lei está em tramitação no Senado", afirma, referindo-se ao PL 2.159/2021. O texto que dispõe sobre o licenciamento ambiental (discutido desde 2004) visa simplificar o processo e até mesmo dispensar licenças nas áreas de saneamento básico, manutenção em estradas e portos, e distribuição de energia elétrica de baixa tensão. 

Hedge cambial para fundos verdes

Cavalcanti diz que o Brasil é "a bola da vez" na renovação energética mundial, mas para isso se concretizar é preciso uma "neoindustrialização do país", o que significa descarbonizar a indústria. 

Outro ponto relevante é limitar o risco cambial a fim de viabilizar os investimentos estrangeiros em energias renováveis. Segundo o secretário do PPI, o Ministério da Fazenda trabalha na hipótese de criar um hedge cambial para "fundos verdes", confiando que ao longo de 20 anos a desvalorização do câmbio seja compensada pela taxa interna de retorno. 

O hedge seria realizado no financiamento. "Já existem alguns contratos subnacionais - na Bahia, por exemplo - que determinam algum valor de hedge cambial na modelagem do projeto". 

No curto prazo, porém, Cavalcanti afirma que "não podemos virar a chave" em relação à produção de combustíveis fósseis: "Nós temos que fazer uma transição energética, mas vamos precisar - por algumas décadas ainda - dos hidrocarbonetos que estão no subsolo. E temos outros usos para petróleo e gás mais nobres do que carros e caldeiras". 
 
Marcus Cavalcanti debate com participantes atual carteira de projetos apoiados pelo PPI (Imagem: GRI Club)

Repactuação de contratos

A reunião ainda colocou em pauta a repactuação de contratos de concessão, uma alternativa à relicitação prevista desde 2017, mas que até hoje só foi concluída em um ativo - o aeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte. Mesmo neste caso, Cavalcanti questiona se foi um bom negócio - a proposta vencedora, da Zurich Airport, foi de R$ 320 milhões pela outorga.

"A indenização incontrovérsia é superior a R$ 500 milhões, e a antiga concessionária está pleiteando mais R$ 100 milhões. O contrato anterior tinha R$ 15 milhões de outorga por ano, então são mais R$ 225 milhões. E foram quatro anos sem investimentos no aeroporto. Por que não negociar?", argumenta. 

Conforme noticiado pelo GRI Club, o TCU deu aval para a repactuação dos contratos, desde que cumpridos mais de uma dezena de critérios (leia mais aqui).

"Queremos evitar que outras concessões estressadas caminhem para a devolução, mas vamos condicionar que a repactuação só ocorra uma vez", completa o secretário do PPI. Ele estima que a renegociação de cinco contratos de concessões em rodovias impliquem em R$ 40 bilhões a serem investidos nos próximos quatro anos, que de outra forma não ocorreriam - se entrassem na fila para devolução. 

Neste sentido, o debate chama a atenção para as variações macroeconômicas nacionais. Os participantes destacam que a modelagem é feita em um cenário de juros que pode variar muito até a licitação e a assinatura do contrato. Discutiu-se modelos diferentes adotados em outros países para o cálculo do WACC, como na Inglaterra, no qual o custo médio ponderado de capital é recalculado no dia da assinatura do contrato. 

Concessões menores e PPPs

Segundo Cavalcanti, o PPI está apoiando órgãos subnacionais em projetos de saneamento básico, resíduos sólidos, presídios, iluminação pública e educação, no âmbito do PAC, e haverá um incentivo para que os Estados e Municípios optem pelo modelo de parceria público-privada (PPP). 

Há modelagens em andamento para dez projetos de resíduos sólidos que vão atender 11 milhões de pessoas, dos quais oito estão sendo estruturados pela Caixa e outros dois pelo BNDES. 

Uma saída para as concessões, segundo o secretário do PPI, é ajustar o volume de CAPEX, ou definir um CAPEX mais adequado à demanda. Neste sentido, diz-se que é necessário estruturar projetos menores para permitir maior diversidade de players. 

"Temos observado que há poucos licitantes. Tem o impacto do momento econômico, taxa de juros, mas também uma questão relacionado ao tamanho dos projetos e o volume de CAPEX exigido", avalia Marcus Cavalcanti. 

Um exemplo utilizado na reunião é a recém-concluída licitação do primeiro lote de rodovias do Paraná, arrematado por um consórcio liderado pelo Pátria Investimentos, com aportes de R$ 7,9 bilhões previstos para os primeiros anos de contrato. "A quantidade de empresas com capacidade para esse ticket cabe na minha mão, e estamos falando de um lote". 

Além do investimento em si, os executivos também avaliam os desafios para encontrar mão de obra e equipamentos, e para obter as licenças ambientais. "Estamos preocupados com isso, se o mercado dará conta de comprar o que está sendo ofertado", resume o secretário do PPI. 

Por fim, questionado sobre as modelagens em projetos do setor ferroviário, Cavalcanti afirma que não é viável o investimento 100% privado, "a não ser que movimente cargas equivalentes a 40 milhões de toneladas", brinca, sugerindo que é necessário co-investimento público.

Ele diz que as prioridades são a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) e a Ferrovia de Integração Centro-Oeste (FICO), além de linhas no Espírito Santo, Rio de Janeiro e o trecho a ser devolvido pela VLI entre Salvador e Juazeiro, na Bahia, cujo objetivo é estruturar uma PPP utilizando os recursos pagos na devolução. 

Ferrogrão e Transamazônica estão no âmbito do PAC, em fase de estudos. 
 
As prioridades do governo para a infraestrutura nacional seguirão sendo pauta no Brazil GRI Infra & Energy 2023

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