GRI e LCA realizam primeiro encontro da série “Diálogos da crise energética”
Debate teve a participação de associações e empresas do mercado de energia
O GRI reuniu no mês de julho um grupo seleto de especialistas e players do setor para dar partida a uma discussão em três momentos sobre a situação e as perspectivas do setor de energia elétrica brasileiro diante de mais um episódio desafiador de crise na oferta de energia.
Participaram do debate o presidente do ONS, Luiz Carlos Ciocchi; o presidente da EPE, Thiago Barral; o diretor técnico da ABRACE, Fillipe Soares; o presidente da Votorantim Energia, Fabio Zanfelice; o gerente de sustentabilidade e energia da Votorantim Cimentos, Fábio Cirilo; o gerente geral de Refinaria/Gás Natural da Petrobras, Álvaro Tupiassu; e o superintendente de regulação da Neoenergia, Fabiano Carvalho. O debate foi mediado por Fernando Camargo e Janine Goulart, da LCA.
Como pano de fundo para este primeiro encontro, destaca-se o fato de o Brasil vir enfrentando um período desafiador para a oferta de energia elétrica, em particular por conta da escassez extrema de recursos hídricos, por sua vez decorrente de baixíssimos níveis de afluência e elevada vazão servindo a outros usos que não elétricos. Por ser tentador, aparecem com recorrência na imprensa e nas falas de alguns analistas comparações com períodos agudos de crise hídrica de anos anteriores, como 2001 e 2014/15, tornando necessário qualificar a discussão para sua correta interpretação.
Segundo a visão do ONS, o operador trabalha com o set de oferta disponível de todas as fontes e os submercados e com a capacidade de intercâmbio entre os submercados em sua programação semanal, tendo o objetivo de atender à demanda que é projetada pela EPE com base em cenários próprios atualizáveis de tempos em tempos.
A demanda prevista para 2021 deverá crescer 4,5% sobre 2020; com reservatórios em baixa histórica (destaque para os lagos de Jupiá e Porto Primavera, operando já abaixo do mínimo recomendável, entre outros reservatórios do Sudeste, com destaque para as bacias do Paranaguá e Rio Grande), tem sido necessário - já há alguns meses - despachar volumes crescentes de termelétricas e aproveitar ao máximo a capacidade de intercâmbio com outros subsistemas para atender ao SS Sudeste-Centro Oeste.
Assim, destacam-se: (i) presença sólida de térmicas; (ii) elevada capacidade de transmissão Norte/Nordeste-Sudeste/Centro-Oeste (incluindo geração recorde de eólicas do Nordeste); e (iii) diversidade de fontes, com destaque para renováveis (eólicas, solar e biomassa).
Se, por um lado, 2021 apresenta um repertório mais rico e diversificado de oferta relativamente a 2001, por outro lado a demanda vem crescendo num ritmo acelerado puxada pelo setor industrial e pelo comércio, destacando-se as atividades com elevado padrão competitivo ligadas a commodities agroindustriais e minerais.
Assim, ao contrário de 2001 e 2015, a demanda em 2021 vem crescendo de forma sustentável, acima do patamar de 4,5% a.a. projetado por EPE/ONS, tornando a operação do sistema algo ainda mais desafiador: em simulações recentes, a LCA tem encontrado números entre 5,5% e 6% de crescimento da demanda de energia em 2021 frente a 2020, acrescentando algo em torno de 3 GWm à carga do sistema para este ano. Ainda mais desafiador, a demanda máxima (carga na ponta do sistema) tende a superar a capacidade de oferta nos meses vindouros, tornando o balanço bastante estressado quanto mais nos aproximamos do verão e do início do período de chuvas.
Este cenário torna ainda mais relevantes as medidas em curso na tentativa de ajustar a curva de carga dos grandes consumidores e deslocá-la para momentos fora da ponta. Para a Abrace, apesar de um forte acionamento de térmicas desde outubro de 2020, os preços (PLD) não vêm refletindo adequadamente os custos marginais de operação majorados por esta estratégia; da mesma forma, os tetos atuais de preço praticados no PLD estão limitando a correta sinalização de preços necessária para incentivar a resposta da demanda. É de se esperar que tal resposta se dê de forma voluntária, e para isso os preços precisam estar corretamente definidos. Para ter sucesso na resposta da demanda, seria importante que este mecanismo fosse estabelecido de forma a privilegiar a simplicidade e que levasse em conta diferenças nos diversos setores para otimizar a resposta voluntária.
Apesar de a demanda mostrar dinamismo, deve-se ter em conta que há diversos setores dinâmicos com baixa intensidade elétrica e que puxam o PIB, mas não a carga; embora haja sinais de retomada, os setores relevantes do ponto de vista da intensidade elétrica estão sendo monitorados. Com isso, a situação de atendimento do sistema do ponto de vista do balanço energético (e não necessariamente de potência) está sob controle.
O balanço de potência passa muito pela possibilidade de gestão do horário de ponta. É importante ressaltar que o correto sinal de preço também é importante para ativar a autoprodução; de fato, esta modalidade de oferta tem crescido bastante nos últimos anos como alternativa à oferta no ACR e aos contratos tradicionais do ACL, propiciando alternativas de oferta mais seguras e competitivas frente às alternativas tradicionais.
Um dos grandes consumidores presente na reunião reforçou este ponto ao dizer que o grupo já atende cerca de 60% de sua demanda via autoprodução, e que esta estratégia combinou esforços de elevação da competitividade e segurança energética com sustentabilidade ambiental. Sobre a possibilidade de um shift na demanda de ponta, alertou para o fato de que a demanda fortemente pressionada aliada ao atual nível baixo dos estoques dificulta mudanças nas jornadas de produção. De fato, a demanda acelerada em muitos setores (sobretudo os ligados a insumos para construção civil e materiais básicos) pode ser um complicador para o sucesso da resposta de demanda neste momento crítico.
Também foi ressaltada a importância de resgatar pontos centrais da CP 33, que prevê alterações relevantes na regulação do setor. Chama a atenção para a assimetria entre ACR e ACL que poderia se aprofundar com a abertura do mercado para diferentes modalidades de contratação e incentivar ainda mais a autoprodução. Com efeito, as distribuidoras deixarão de contratar mais no longo prazo face à incerteza do ritmo desta migração, ademais já em curso por conta de sinais equivocados e da alta instabilidade do preço.
Por fim, foi destacado o papel das termelétricas e do gás natural neste processo. Chamou a atenção inicialmente pelo fato de que a demanda global por GN está em franca expansão no Brasil: distribuidoras em geral puxando mais oferta que o programado e térmicas operando em níveis elevados de despacho. Para dar conta deste cenário, a Petrobras vem redobrando esforços para elevar a capacidade de entrega da commodity – o recorde de produção e oferta de GN no sistema foi atingido em 28 de junho de 2021.
Chamou a atenção, também, para o fato de que a disponibilidade de térmicas a gás está em linha com o planejado ou superior em alguns momentos, ao contrário do que tem sido divulgado, incorretamente, pela mídia; as usinas térmicas vêm operando acima dos níveis históricos de despacho e a indisponibilidade faz parte da manutenção programada (por exemplo: turbinas a gás, a cada 8.000 horas trabalhadas, param por 30 a 40 dias).
Um dos membros presente ressaltou a baixa capacidade de estocagem do GN, defendendo uma maior oferta, abertura do mercado de GN e a presença de térmicas flexíveis para substituir com segurança a capacidade da energia hidráulica, que vem sendo reduzida quando comparada com condições históricas.
Concluindo, as térmicas a gás são necessárias para a operação segura do sistema e é necessário integrar os mercados de gás e energia.
Acompanhe a série “Diálogos da crise energética” para membros do GRI Club. A próxima reunião será em agosto.