Multimodalidade é apontada como solução para a sustentabilidade logística
Reunião do GRI Club Infra discutiu os impactos de eventos climáticos extremos nos modais logísticos brasileiros
25 de outubro de 2023Infraestrutura
Por Henrique Cisman
O ano de 2023 não terminou, mas já está marcado na história como um dos mais turbulentos em termos de eventos climáticos extremos no Brasil, como ciclones, enchentes e secas, a depender da região do país.
Tais eventos não causam apenas prejuízos às cidades diretamente afetadas, como também atingem toda a economia brasileira ao dificultar ou mesmo impedir o funcionamento adequado da cadeia logística. Neste sentido, o GRI Club Infra reuniu líderes de empresas que atuam no setor para debater formas de construir um futuro mais resiliente, que garanta eficiência e sustentabilidade dos modais de transporte.
O encontro foi realizado no escritório da Marsh, em São Paulo, com moderação de Renato Oliveira, gerente Marinho, de Portos e Terminais da empresa, e as participações especiais de Fabio Schettino, presidente da Hidrovias do Brasil, Guilherme de Mello, presidente da MRS, e Marcus Voloch, CEO da Aliança Navegação e Logística, do grupo Maersk.
Para efeito de comparação, entre 1980-1999, há registro de 4.212 desastres, dentre inundações, tempestades, terremotos, temperaturas extremas, deslizamentos, secas, incêndios e atividades vulcânicas. Já entre 2000-2019, houve um aumento de 74%, totalizando 7.348 desastres em todo o mundo, ou o equivalente a pouco mais de um desastre climático por dia.
A rede de infraestrutura logística é impactada por tais eventos, que causam interrupção dos serviços e deterioração dos ativos. Para os próximos anos, as projeções indicam aumento da temperatura e maior variação no regime de chuvas.
Se as mudanças climáticas são consequências da atividade humana, o encontro promovido pelo GRI Club também busca indicar o papel da infraestrutura logística na mitigação desses eventos no médio e longo prazo, já que as operações de transporte são a maior fonte de emissão de gases do efeito estufa no mundo, equivalente a 25% do total.
Rodolfo Taveira, principal da Oliver Wyman, apresenta estudos sobre eventos climáticos no Brasil (imagem: GRI Club)
A Hidrovia Paraguai-Paraná - que tem quase 4 mil quilômetros de navegação franca - sofreu com o fenômeno conhecido como La Niña em 2020, e os operadores ficaram praticamente três meses sem poder navegar, um evento que não acontecia há quase 90 anos. Segundo o presidente da Hidrovias do Brasil, a empresa contratou um estudo cuja conclusão é que a dinâmica de chuvas vai mudar.
Desde o final de setembro, o tráfego de embarcações maiores está paralisado em direração ao Porto de Manaus, devido à seca do Rio Amazonas - para transportar as cargas, os navios estão sendo substituídos por barcaças, uma operação mais cara e poluente, mas essencial para manter o abastecimento da região.
"A boa notícia é que a Hidrovia Paraguai-Paraná não vai secar, a Bacia Amazônica não vai secar, mas precisamos, obviamente, tomar decisões que não agravem esse cenário no médio e longo prazo".
Se no curto prazo é impossível alterar o regime de chuvas, o dever do setor é buscar sua descarbonização, de modo que a intensidade de eventos climáticos extremos pare de crescer exponencialmente, como vem ocorrendo nas últimas décadas.
Segundo os executivos, não existe uma solução única, mas a multimodalidade é apontada como "o ponto mais importante da atualidade". Eles afirmam que 70% dos transportes de cargas no Brasil ocorrem pelo modal rodoviário, e que um maior balanceamento com outros modais - especialmente ferrovias e hidrovias - teria um efeito "absurdo e imediato nessa análise".
Para ilustração, um comboio hidroviário da HB transporta 70 mil toneladas de carga com um único empurrador, o equivalente a 2 mil caminhões. "Não há modal mais eficiente, mais ambientalmente amigável e mais socialmente responsável do que o hidroviário para grandes volumes a grandes distâncias", diz Fabio Schettino.
Nesta lógica, o ideal é que tanto ferrovias quanto hidrovias cumpram os trajetos mais longos, e os caminhões operem em curtas e médias distâncias. Um bom exemplo é o Sistema Norte, que se tornaram a principal opção logística para o escoamento de grãos produzidos no Mato Grosso nos últimos dez anos. Ainda assim, os caminhões percorrem mil quilômetros até a Hidrovia do Tapajós.
Com forte atuação na cabotagem, a Aliança Navegação e Logística acredita que nos próximos 20 anos seja possível quadruplicar o volume de carga transportada atualmente. Hoje, a cabotagem de contêineres responde por 6% do total de cargas no país. "O navio emite um sexto das emissões de um transporte rodoviário", afirma Marcus Voloch.
O executivo explica que a Maersk une diferentes modais para atender seus clientes, incluindo ferrovias e rodovias. Outro participante reforça que "a multimodalidade não é concorrente; ela é complementar. Tem espaço para todos, e essa é a melhor notícia para fomentar o investimento multimodal".
O CEO da Aliança lembra que a última grande seca no Rio Amazonas havia sido em 2016; depois, em 2022, e este ano novamente, mais grave que as anteriores.
Em relação às ferrovias, os executivos criticam a dificuldade de implantação de projetos essenciais, como a Ferrogrão entre Sinop (MT) e Miritituba (PA). "Somos o único país do mundo em que uma ferrovia que tem potencial para substituir a rodovia em sua faixa de domínio não é considerada amigável. É um debate completamente ideológico e enviesado", diz um participante.
Também foi destacada a importância das renovações antecipadas a fim de destravar investimentos no modal ferroviário. A renovação da MRS assinada no ano passado prevê uma extensão de 30 anos, com investimentos na casa dos R$ 10 bilhões, dos quais mais da metade nos primeiros oito anos, segundo o presidente da companhia.
"A maioria das ferrovias foi projetada com parâmetros diferentes das situações climáticas que vivemos hoje. Implementamos uma série de tecnologias novas para verificar a qualidade das vias", afirma Guilherme de Mello. Mais de 95% da ferrovia operada pela MRS tem infraestrutura de fibra óptica, e a empresa terá uma rede proprietária de 5G.
A Hidrovias do Brasil é mantenedora do hub marítimo do Cubo Itaú, plataforma de geração de negócios para startups de alto impacto. "Ao invés de tratarmos nossas dores internamente, nós as levamos para o Cubo, e isso já tem efeitos práticos: são mais de 200 projetos promovidos na companhia", afirma Schettino.
O grupo Maersk é outro a investir forte em inovação e tecnologia. Dentre as iniciativas mais promissoras, Voloch destaca um projeto de machine learning que visa indicar quais clientes tendem a não entregar o volume de carga combinado. "Não queremos operar com overbooking, e sim com um número preciso", diz o executivo.
Em paralelo, a Maersk Growth - braço de corporate venture capital - tem financiado projetos voltados especificamente para a energia verde, incluindo startups na fase seed. A expectativa é que entre cinco e dez anos os navios da empresa sejam abastecidos por energia sustentável.
Nesta reunião, os participantes ainda debateram novas modalidades de seguro para enfrentar os eventos climáticos a fim de dar maior segurança para os investidores, uma conversa que deve render novidades, em breve, para o setor de infraestrutura logística no Brasil.
O ano de 2023 não terminou, mas já está marcado na história como um dos mais turbulentos em termos de eventos climáticos extremos no Brasil, como ciclones, enchentes e secas, a depender da região do país.
Tais eventos não causam apenas prejuízos às cidades diretamente afetadas, como também atingem toda a economia brasileira ao dificultar ou mesmo impedir o funcionamento adequado da cadeia logística. Neste sentido, o GRI Club Infra reuniu líderes de empresas que atuam no setor para debater formas de construir um futuro mais resiliente, que garanta eficiência e sustentabilidade dos modais de transporte.
O encontro foi realizado no escritório da Marsh, em São Paulo, com moderação de Renato Oliveira, gerente Marinho, de Portos e Terminais da empresa, e as participações especiais de Fabio Schettino, presidente da Hidrovias do Brasil, Guilherme de Mello, presidente da MRS, e Marcus Voloch, CEO da Aliança Navegação e Logística, do grupo Maersk.
Reunião foi privada e exclusiva para membros de clube (Imagem: GRI Club)
O panorama do caos
Antes do debate, os executivos assistiram a uma apresentação elaborada pela Oliver Wyman que traz uma série de dados a respeito dos eventos climáticos extremos, que são cada vez mais frequentes.Para efeito de comparação, entre 1980-1999, há registro de 4.212 desastres, dentre inundações, tempestades, terremotos, temperaturas extremas, deslizamentos, secas, incêndios e atividades vulcânicas. Já entre 2000-2019, houve um aumento de 74%, totalizando 7.348 desastres em todo o mundo, ou o equivalente a pouco mais de um desastre climático por dia.
A rede de infraestrutura logística é impactada por tais eventos, que causam interrupção dos serviços e deterioração dos ativos. Para os próximos anos, as projeções indicam aumento da temperatura e maior variação no regime de chuvas.
Se as mudanças climáticas são consequências da atividade humana, o encontro promovido pelo GRI Club também busca indicar o papel da infraestrutura logística na mitigação desses eventos no médio e longo prazo, já que as operações de transporte são a maior fonte de emissão de gases do efeito estufa no mundo, equivalente a 25% do total.
Rodolfo Taveira, principal da Oliver Wyman, apresenta estudos sobre eventos climáticos no Brasil (imagem: GRI Club)
Descarbonização do setor
Na sequência da apresentação, os executivos apontaram que percebem o efeito dos riscos climáticos com maior frequência. Um dos participantes chamou a atenção para a quantidade de ciclones que atingiram a região sul do Brasil nos últimos meses - foram pelo menos seis, com impactos diretos na logística, bem como as enchentes no sul e sudeste, e a seca que nos últimos meses assola a região amazônica.A Hidrovia Paraguai-Paraná - que tem quase 4 mil quilômetros de navegação franca - sofreu com o fenômeno conhecido como La Niña em 2020, e os operadores ficaram praticamente três meses sem poder navegar, um evento que não acontecia há quase 90 anos. Segundo o presidente da Hidrovias do Brasil, a empresa contratou um estudo cuja conclusão é que a dinâmica de chuvas vai mudar.
Desde o final de setembro, o tráfego de embarcações maiores está paralisado em direração ao Porto de Manaus, devido à seca do Rio Amazonas - para transportar as cargas, os navios estão sendo substituídos por barcaças, uma operação mais cara e poluente, mas essencial para manter o abastecimento da região.
"A boa notícia é que a Hidrovia Paraguai-Paraná não vai secar, a Bacia Amazônica não vai secar, mas precisamos, obviamente, tomar decisões que não agravem esse cenário no médio e longo prazo".
Se no curto prazo é impossível alterar o regime de chuvas, o dever do setor é buscar sua descarbonização, de modo que a intensidade de eventos climáticos extremos pare de crescer exponencialmente, como vem ocorrendo nas últimas décadas.
Uma cadeia mais limpa e multimodal
A Hidrovias do Brasil tem o primeiro empurrador elétrico de manobra do mundo em operação na Amazônia. A empresa tem um programa de descarbonização com metas de redução de 50% até 2025 e 100% até 2030, por meio da geração de energia eólica nos terminais.Segundo os executivos, não existe uma solução única, mas a multimodalidade é apontada como "o ponto mais importante da atualidade". Eles afirmam que 70% dos transportes de cargas no Brasil ocorrem pelo modal rodoviário, e que um maior balanceamento com outros modais - especialmente ferrovias e hidrovias - teria um efeito "absurdo e imediato nessa análise".
Da esquerda para direita: Guilherme de Mello (MRS), Renato Oliveira (Marsh) e Marcus Voloch (Maersk)
Para ilustração, um comboio hidroviário da HB transporta 70 mil toneladas de carga com um único empurrador, o equivalente a 2 mil caminhões. "Não há modal mais eficiente, mais ambientalmente amigável e mais socialmente responsável do que o hidroviário para grandes volumes a grandes distâncias", diz Fabio Schettino.
Nesta lógica, o ideal é que tanto ferrovias quanto hidrovias cumpram os trajetos mais longos, e os caminhões operem em curtas e médias distâncias. Um bom exemplo é o Sistema Norte, que se tornaram a principal opção logística para o escoamento de grãos produzidos no Mato Grosso nos últimos dez anos. Ainda assim, os caminhões percorrem mil quilômetros até a Hidrovia do Tapajós.
Com forte atuação na cabotagem, a Aliança Navegação e Logística acredita que nos próximos 20 anos seja possível quadruplicar o volume de carga transportada atualmente. Hoje, a cabotagem de contêineres responde por 6% do total de cargas no país. "O navio emite um sexto das emissões de um transporte rodoviário", afirma Marcus Voloch.
O executivo explica que a Maersk une diferentes modais para atender seus clientes, incluindo ferrovias e rodovias. Outro participante reforça que "a multimodalidade não é concorrente; ela é complementar. Tem espaço para todos, e essa é a melhor notícia para fomentar o investimento multimodal".
O CEO da Aliança lembra que a última grande seca no Rio Amazonas havia sido em 2016; depois, em 2022, e este ano novamente, mais grave que as anteriores.
Em relação às ferrovias, os executivos criticam a dificuldade de implantação de projetos essenciais, como a Ferrogrão entre Sinop (MT) e Miritituba (PA). "Somos o único país do mundo em que uma ferrovia que tem potencial para substituir a rodovia em sua faixa de domínio não é considerada amigável. É um debate completamente ideológico e enviesado", diz um participante.
Também foi destacada a importância das renovações antecipadas a fim de destravar investimentos no modal ferroviário. A renovação da MRS assinada no ano passado prevê uma extensão de 30 anos, com investimentos na casa dos R$ 10 bilhões, dos quais mais da metade nos primeiros oito anos, segundo o presidente da companhia.
O papel da tecnologia
Em busca de minimizar os efeitos climáticos nas operações logísticas, as empresas têm aumentado expressivamente os investimentos em inovação e tecnologia. A MRS utiliza sistemas de georreferenciamento, satélite e locomotivas instrumentadas a fim de antecipar possíveis consequências do clima nos mais de 1,6 mil quilômetros de trilhos que cortam Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro."A maioria das ferrovias foi projetada com parâmetros diferentes das situações climáticas que vivemos hoje. Implementamos uma série de tecnologias novas para verificar a qualidade das vias", afirma Guilherme de Mello. Mais de 95% da ferrovia operada pela MRS tem infraestrutura de fibra óptica, e a empresa terá uma rede proprietária de 5G.
A Hidrovias do Brasil é mantenedora do hub marítimo do Cubo Itaú, plataforma de geração de negócios para startups de alto impacto. "Ao invés de tratarmos nossas dores internamente, nós as levamos para o Cubo, e isso já tem efeitos práticos: são mais de 200 projetos promovidos na companhia", afirma Schettino.
O grupo Maersk é outro a investir forte em inovação e tecnologia. Dentre as iniciativas mais promissoras, Voloch destaca um projeto de machine learning que visa indicar quais clientes tendem a não entregar o volume de carga combinado. "Não queremos operar com overbooking, e sim com um número preciso", diz o executivo.
Marcus Voloch fala das inovações da Maersk aos participantes (imagem: GRI Club)
Em paralelo, a Maersk Growth - braço de corporate venture capital - tem financiado projetos voltados especificamente para a energia verde, incluindo startups na fase seed. A expectativa é que entre cinco e dez anos os navios da empresa sejam abastecidos por energia sustentável.
Nesta reunião, os participantes ainda debateram novas modalidades de seguro para enfrentar os eventos climáticos a fim de dar maior segurança para os investidores, uma conversa que deve render novidades, em breve, para o setor de infraestrutura logística no Brasil.