Nova Lei de Licitações: mercado sugere melhorias

Players privados se empenham para entender as ‘regras do jogo’

10 de julho de 2023Infraestrutura
Por Paulo Alfaro 

Prorrogada até dezembro de 2023, a Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei 14.133/21) caminha a passos largos para substituir a Lei 8.666/93. Aprovado em 2021, o novo texto pressupõe uma série de avanços na operacionalização das contratações públicas por parte dos municípios, fato que demandará capacitação dos administradores públicos, da União, Estados e Municípios.

O período de transição permite aos investidores e operadores privados o diálogo junto ao setor público, e é neste contexto que o GRI Club Infra organizou uma reunião em São Paulo para que os seus membros pudessem debater boas práticas e um planejamento que norteie o novo arcabouço jurídico. 

Representando o Estado, o secretário do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, José Celso Cardoso Jr., comenta as intenções do governo com a nova legislação: de acordo com ele, a Lei 14.133/21 pode destravar amarras históricas e colocar o país em uma trilha de desenvolvimento mais previsível e sustentável ao longo do tempo, não só do ponto de vista ambiental, mas também econômico e humano.

“A ideia é produzir uma Lei que seja aderente à realidade brasileira, que leva em consideração o grau de maturidade institucional do Estado e também do setor privado”, afirma.
José Celso Cardoso Jr comenta as diretrizes da Lei 14.133/21 (Foto: GRI Club

Digitalização de processos e capacitação de servidores 

Uma das preocupações do setor privado é em relação à regulamentação de dispositivos que estão pendentes e dependem da edição de outros atos regulamentares - eventualmente até da edição de um decreto regulamentar - para sua aplicação.

José Celso Cardoso Jr. diz que a regulamentação é justamente o primeiro passo, pois é ela que vai dar materialidade normativa e segurança jurídica para que o operador possa tomar decisão e efetivamente avançar na legislação.

Esse processo passa por: governança nas contratações públicas; valores estimados de contratos em obras e serviços de engenharia; sistema de planejamento e gerenciamento estratégico; adequação do CIPI - Cadastro Integrado de Projetos de Investimento; catálogo eletrônico de padronização de compras, serviços e obras, dentre outros. 

Muitas das inovações normativas citadas são parte da estratégia de digitalização dos processos, afinal, a inovação tecnológica é a tônica da Lei 14.133/21. Ainda sobre esta última informação, o governo informa que a sofisticação tecnológica nos processos internos visa dar celeridade ao relacionamento do Estado com o mercado. 

Não à toa, o segundo passo que será dado tem a ver com a adequação do sistema gerencial, que vai migrar 100% das formas de contratação para a plataforma compras.gov.br. 

“Essa plataforma será responsável não só pela centralização de todos os processos de compras, como a partir disso o governo brasileiro finalmente vai ter pela primeira vez um real conhecimento sobre o conjunto completo de obras públicas contratadas por meio dessa Lei”, explica o secretário. 

Os participantes se reuniram na sede da Marsh, em São Paulo (Foto: GRI Club)

Outra importante frente de execução mencionada durante o club meeting é a capacitação dos gestores, que está diretamente ligada à Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). A escola está vinculada ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos e, portanto, se responsabiliza pela Lei de Licitações e pela área de compras públicas, capitaneando o processo de capacitação nos três níveis da federação e das várias áreas de inter-relação entre público e privado. 

Vale mencionar que o Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 2023, por meio do Decreto nº 11.345. Responsável por implementar estratégias digitais e simplificar os serviços públicos, o departamento possui sete secretarias, sendo uma mais abrangente (Secretaria de Gestão Corporativa - SGC) e outras seis finalísticas. 

Cabe citar duas que possuem impacto maior na Nova Lei de Licitações: Secretaria de Governo Digital (SGD), dada a missão de digitalizar os processos e criar canais de acesso à população e às empresas; e Secretaria de Gestão e Inovação (SEGES), por concentrar duas áreas críticas relacionadas ao tema - a área de transferências governamentais, que faz todo o repasse para Estados e Municípios e para entidades do terceiro setor, e a área de compras públicas.

Brazil GRI Infra & Energy

As reações do mercado 

Em relação ao cronograma para a publicação dos editais, a data limite para inseri-los é 28 de dezembro - deverão constar no Diário Oficial da União até 29 de dezembro. Um dos participantes mostra preocupação em relação a este prazo, e reflete se o período é adequado para se entender as regras do jogo: “Será que o mercado segurador vai ter capacidade para ofertar garantias de acordo com o novo padrão, considerando que o valor da garantia poderá ser de até 30% do valor dos contratos?

Carolina Jardim, diretora de Credit Specialties da MARSH, esclarece que além do amadurecimento do mercado segurador em relação à nova legislação, bem como do aprimoramento dos mecanismos de subscrição e monitoramento dos contratos, será necessário fortalecer os instrumentos para execução da  contragarantia oferecida pelo tomador (Garantido) ao segurador, quando da emissão da apólice de seguro garantia.

“Hoje, o contrato de contragarantia - contrato que o tomador da garantia assina com a seguradora -  é um instrumento jurídico de executabilidade muito precária. É muito difícil executar esses contratos aqui no Brasil, leva muito tempo, e quando ela finalmente consegue executar, muitas vezes aquele provimento jurisdicional já perdeu o objeto”, esclarece Carolina Jardim .

É importante reforçar que uma das principais inovações na Lei de Licitações é justamente em relação ao aumento do valor da garantia , que poderá atingir até  30% do valor inicial do contrato. Para um dos advogados presentes, será necessário estabelecer padrões e critérios para definição  destes valores. Este foi um dos pontos de discussão mais sensíveis, e caso não venha a ser devidamente esclarecido pelo poder público licitante, “podemos nadar e morrer na praia“, alerta um dos participantes.

As construtoras, por sua vez, se atentam à qualidade dos projetos . A Lei 14.133/21  estabelece novos critérios para elaboração de projetos em licitações de obras de engenharia. Quando este projeto é mal desenhado e entregue para ser licitado, causa efeitos negativos e até mesmo pode inviabilizar a continuidade da construção.

“Fica aquela imagem de que abandonamos a obra, que foi culpa da construtora, e ninguém se atenta para a elaboração do projeto, que foi falho. Essa ênfase tem que ser dada muito seriamente na elaboração das licitações. É necessário planejar para o projeto acontecer lá na frente”, sugere um executivo. 

O fim de uma Lei consolidada 

Embora os participantes tenham apontado sugestões de melhorias, todos concordam que a Nova Lei de Licitações apresenta avanços significativos e causa alívio no cenário jurídico brasileiro. Isso porque a Lei 8.666/93 ditou as regras de contratações com o serviço público por exaustivos 30 anos. O último terço de sua vigência foi acompanhado de debates para a criação de uma nova Lei, a 14.133/21.  

Agora, o desafio do Estado é contribuir para que o período de transição tenha menos turbulência possível, assegurando ao setor privado que haverá tutela para que os dispositivos pendentes sejam regulamentados.