O que falta para o Plano Nacional de Ferrovias sair do papel?

Membros do GRI Club se reuniram com o secretário nacional de ferrovias, Leonardo Ribeiro

22 de abril de 2025Infraestrutura
Por Belén Palkovsky

Apesar das dimensões continentais do Brasil e das exigências logísticas derivadas de sua natureza exportadora, a matriz de transportes do país ainda é majoritariamente rodoviária, com as ferrovias representando cerca de 20% do total do transporte de cargas. Além disso, a integração multimodal, embora frequentemente discutida entre governos e entidades privadas, permanece distante do cenário ideal. 

Já que o país enfrenta dois desafios fundamentais - modernizar sua matriz de transporte e aumentar sua competitividade no mercado global -, o Plano Nacional de Ferrovias, recentemente anunciado pelo Governo Federal, é uma promessa de transformação na ampliação e modernização da malha ferroviária, com a proposta de investir R$100 bilhões para a construção de 4.700 km de ferrovias.

Para debater os detalhes desse plano, os desafios regulatórios e as oportunidades para a iniciativa privada, líderes do setor ferroviário se reuniram em Brasília, no dia 9 de abril, em um encontro reservado aos membros do GRI Club. A conversa, mediada por Davi Barreto, diretor-presidente da ANTF, contou com a presença do secretário nacional de ferrovias, Leonardo Ribeiro, e reuniu outros nomes-chave do setor, incluindo representantes do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).

O encontro foi uma oportunidade para discutir os próximos passos da implementação do plano e entender como as concessões ferroviárias podem ser estruturadas desde o início para aumentar a atratividade dos projetos aos investidores, garantindo a viabilidade financeira, mesmo em face de variações econômicas, já que muitos desses projetos levam décadas para serem concluídos.

Os cinco projetos mais emblemáticos 

O Corredor Leste-Oeste está sendo estruturado por meio da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) e da Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico). Essas ferrovias, que atravessam várias regiões do Brasil, têm como objetivo integrar o Centro-Oeste e o Norte ao sistema ferroviário nacional. O projeto está em andamento, com a previsão de leilão para o primeiro semestre do próximo ano, e envolve a construção de 2.400 km de ferrovia, com foco na conectividade entre Bahia, Tocantins e Mato Grosso.

O prolongamento da Ferrovia Norte-Sul também é uma prioridade, com expansão planejada para os estados do Pará e Maranhão. Este projeto visa melhorar o escoamento de grãos e minérios do Centro-Oeste e do Norte para os portos, aliviando a pressão sobre as rodovias e otimizando as conexões logísticas entre as regiões produtoras e os centros portuários.

O Anel Ferroviário do Sudeste, conectando Vitória e Rio de Janeiro, busca integrar as malhas ferroviárias no Sudeste do país. Este projeto visa melhorar a eficiência operacional e criar maior flexibilidade logística, facilitando o transporte de cargas entre essas áreas a fim de otimizar as operações portuárias.

A Transnordestina, com previsão de conclusão até 2027, ligará o Piauí a Pernambuco. Embora enfrente desafios, é considerada uma das rotas mais importantes para o escoamento de grãos e cimento da região Nordeste para os portos. O projeto continua em discussão, com foco na conexão robusta com o Corredor Norte-Sul, para garantir a integração do Nordeste com o restante do Brasil.

Por fim, a Ferrogrão, com 933 km ligando Mato Grosso ao Pará, tem o objetivo de aliviar a pressão sobre outras rotas ferroviárias e rodoviárias, especialmente para o transporte de grãos. Embora enfrente obstáculos ambientais e jurídicos, permanece uma prioridade estratégica para expandir a malha ferroviária nacional, buscando oferecer alternativas mais eficientes para o escoamento de commodities do Centro-Oeste.

O que está faltando para o Plano sair do papel? 

Um dos pontos centrais debatidos na reunião é a regulamentação e o processo de licitação das ferrovias. Os participantes ressaltam a necessidade de criar um ambiente que proporcione clareza no processo de concessão e assegure a interoperabilidade entre as ferrovias. 

"Não podemos continuar com um sistema fragmentado. A integração é vital para que as ferrovias atendam eficientemente as demandas logísticas do país."

A integração multimodal, com ênfase no Porto de Santos, é apontada como essencial. Segundo os debatedores, a ligação ferroviária com os portos "deixou de ser uma opção e passou a ser uma necessidade para assegurar a competitividade do Brasil no cenário global, especialmente no escoamento de grãos, celulose e outros produtos de exportação".

Outro tema discutido é a segurança jurídica. A atuação do TCU é vista como essencial para garantir que os projetos atendam aos critérios legais e financeiros necessários. O tribunal desempenha papel decisivo para assegurar que as concessões respeitem os direitos do setor privado, ao mesmo tempo que protejam os interesses públicos. A presença do TCU é fundamental para criar um modelo de concessões atrativo para os investidores e sustentável a longo prazo. Além disso, o controle do risco de execução nos contratos se torna uma prioridade, com foco na flexibilidade para lidar com imprevistos durante a implementação.

A questão do financiamento privado também ganha destaque. Considerando que os projetos ferroviários exigem grandes investimentos de longo prazo, os participantes defendem o uso de debêntures incentivadas e outros mecanismos de financiamento privado como soluções viáveis. "Não adianta ter projetos grandiosos se eles não forem sustentáveis ao longo do tempo. Precisamos garantir que esses projetos atraiam recursos e operem de forma eficiente", afirmam.

A viabilidade ambiental também é tratada como prioridade, especialmente no que diz respeito à construção de trechos que atravessam comunidades já estabelecidas e áreas sensíveis. O uso de novas tecnologias e modelos disruptivos é apontado como essencial para lidar com as mudanças rápidas e crescentes da demanda logística."Não podemos continuar pensando nos mesmos moldes de sempre. Precisamos de modelos de governança e operação mais ágeis", enfatizam os executivos.

Com um diagnóstico abrangente e um plano de ação bem delineado - atualmente aguardando validação e formalização do governo federal -, o mercado aguarda os próximos passos para garantir a concretização das propostas discutidas. Com isso, os principais movimentos previstos são: 

Banco de projetos: governo e concessionárias trabalharão na finalização do banco de projetos, com a conclusão dos estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental. O objetivo é ter projetos estruturados e prontos para implementação, com foco na expansão e modernização da malha ferroviária.

Modelos de financiamento: busca-se uma combinação de recursos públicos e privados, com o uso de debêntures incentivadas e o apoio de fundos privados para garantir a viabilidade econômica de projetos de longo prazo. A estratégia incluirá modelos inovadores, como investimentos cruzados entre concessionárias.

Licitação e concessão: o processo de licitação será reestruturado para garantir transparência e eficiência, com ênfase na interoperabilidade entre as ferrovias. O direito de passagem entre concessionárias será regulamentado para evitar conflitos e facilitar o transporte contínuo de cargas.

Aceleração dos projetos em andamento: projetos como o Prolongamento da Ferrovia Norte-Sul e a Transnordestina, que já estão em andamento, serão priorizados, com esforços para garantir a conclusão dentro do cronograma estabelecido.

Acompanhamento e avaliação: o acompanhamento do progresso dos projetos será intensificado, com reuniões periódicas para avaliar a evolução do plano. O TCU continuará a cargo de monitorar as concessões e garantir a transparência e a eficiência dos processos.