Os detalhes da PPP do Complexo Prisional de Erechim
Um passo adiante rumo à reforma do sistema penitenciário brasileiro
Por Paulo Alfaro
O Brasil avança para colocar em prática o segundo projeto de Parceria Público-Privada (PPP) no sistema prisional. Com apenas o Presídio de Ribeirão das Neves (MG) em operação neste formato, o Rio Grande do Sul tem tudo para ser o próximo Estado a adotar o modelo. O governo relançou o edital de PPP para a construção, manutenção e apoio à operação do Complexo Prisional de Erechim, com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e de nove consultorias.
Confiantes de que a licitação será exitosa, o governo espera receber propostas de companhias para gerir o presídio no dia 21 de julho, para que haja leilão na B3 no dia 28 do mesmo mês. O projeto foi apresentado durante um encontro online promovido pelo GRI Club Infra e contou com as presenças de todas as partes envolvidas e também de players privados.
Sobre o projeto
Atualmente, o Rio Grande do Sul possui cerca de 43 mil presidiários, de acordo com o Departamento de Segurança e Execução Penal (DSEP). O Complexo Prisional de Erechim visa disponibilizar 1.200 vagas, a partir da construção de duas unidades de regime fechado - com 600 vagas em cada uma delas - em um período de 30 anos previsto para a concessão.A estimativa de investimento é de R$149,4 milhões. Vale mencionar sobre os ajustes realizados em relação ao primeiro edital, que estava previsto para 15 de setembro de 2022, mas foi suspenso pela ausência de interessados.
Na nova modelagem, foram adicionadas mudanças na quantidade estimada de monitores de ressocialização e na aplicação do adicional de periculosidade para todos os funcionários estimados da concessionária, não só aqueles que estariam em contato direto com o apenado. Ambas as mudanças foram demandas do mercado e resultaram no aumento de 13% do Valor Vaga Dia, que totaliza R$233,1, alterando o critério de leilão do projeto.
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“Procuramos incorporar no projeto os pontos que eram realmente sensíveis para afastar a assimetria dos riscos”, explica Andrea Soares, gerente de estruturação de projetos de infraestrutura social do BNDES, que também revela alterações nos documentos licitatórios, cujo prazo de assinatura do contrato passou de 30 para 90 dias, com o intuito de assegurar um tempo maior para o cumprimento das condições prévias do contrato.
“Outra alteração relevante diz respeito à atualização tecnológica para esclarecer que o Poder Concedente poderá designar parâmetros e especificações para atualização do software, substituição de componentes, aquisição de sistemas e equipamentos, sem direito da concessionária quando esta tiver descumprida a obrigação de atualização tecnológica”, complementa.
Qualificado no Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) em 2019, o projeto foi todo faseado até o relançamento de seu edital. A começar pela etapa de construção das unidades 1 e 2, com o segundo bloco entrando em funcionamento em cinco anos após a entrega do primeiro. O BNDES esclarece que as áreas comuns devem ser construídas durante esta etapa: “Isso foi uma revisão que a gente viu e que não estava muito claro nos documentos”.
Em seguida, haverá serviços de apoio à operação, incluindo a construção, equipagem e manutenção. Os serviços serão relacionados a: controle interno, via contratação de monitores de ressocialização para cuidar da vigilância, sem utilização do poder de polícia; assistência (saúde, terapias comportamentais, acompanhamento da execução da pena, suporte social e acompanhamento familiar); capacitação para o trabalho, disponibilizando vagas dentro do presídio; educação (formal, profissionalizante, cultural e recreativa); e aspectos gerais, como lavanderia, limpeza e fornecimento de material.
Um dos participantes presentes durante o online meeting menciona uma preocupação em relação às atividades do policial penal, e aconselha: “Que se tenha um olhar atento, porque existem inúmeras ações no Brasil discutindo a limitação entre até onde vai o monitor de ressocialização, em termos de atuação e atividades dentro de uma prisional, e onde é atuação exclusiva do policial penal.” O Governo, entretanto, diz que este ponto foi uma das espinhas dorsais do projeto, e que o contrato está todo estruturado em cima dessa premissa, que é inegociável.
Cooperação entre as partes envolvidas
Da perspectiva dos bancos apoiadores, o BID ressalta que quer seguir sendo a ponte para este tipo de projeto, gerando valor para os governos e investidores e tornando as licitações cada vez mais competitivas. O BNDES, por sua vez, tem dado um foco enorme na infraestrutura social, trazendo a experiência do próprio BID (que tem uma co-estruturação) e de nove consultorias para conseguir consolidar todo o conhecimento e mitigar os riscos para que o Complexo Prisional de Erechim tenha bancabilidade e atratividade para os investidores.Na outra ponta, o Estado e o Poder Concedente agem em conjunto na operação. Uma etapa importante da cooperação dessas esferas acontece durante a fase dois da primeira unidade prisional.
Para garantir a efetividade do projeto ao longo dos anos, haverá um período de experimentação de 18 meses de aplicação do Sistema de Mensuração de Desempenho (SMD), no qual os indicadores de desempenho serão apurados, mas não serão aplicados, ou seja, não vão impactar na contraprestação do concessionário. Já os critérios de disponibilidade de vaga serão apurados e aplicados, impactando na remuneração da concessionária.
Durante os primeiros nove meses, com o auxílio do verificador independente - instrumento que auxilia o Poder Concedente no monitoramento e na avaliação dos serviços prestados pela concessionária -, tanto o Poder Concedente quanto a concessionária terão liberdade de experimentar ajustes no sistema; nos nove meses seguintes, devem ser acordados em revisão ordinária mudanças que são decorrentes do que foi a prática nesses nove meses iniciais.
- GRI Club é um clube de relacionamento de executivos seniores do mercado imobiliário e de infraestrutura
Os aprendizados adquiridos fora do Brasil
Há uma mudança importante no perfil de iniciativas de participação privada na infraestrutura social da América Latina. Nos últimos cinco anos, alguns países da região, como Colômbia, Chile e Peru, começaram a apostar fortemente em traduzir a lógica de concessões - muito focada em infraestrutura econômica através dos setores de transportes e energia - para projetos sociais.O Chile, por exemplo, assinou 12 contratos de PPP na área hospitalar nos últimos dois anos; mesma coisa no Peru, que está licitando dois hospitais na região amazônica. Recentemente, a Colômbia mudou o Plano Nacional de Desenvolvimento e introduziu um parágrafo atribuindo à Agência Nacional de Infraestrutura a competência de estruturar e ser o Poder Concedente de projetos de infraestrutura social. O Uruguai, por sua vez, acaba de assinar o seu segundo projeto de infraestrutura prisional, transformando-se em uma referência para a região.
“O BID aceitou o desafio de apoiar o BNDES para construir as soluções necessárias para viabilizar esse projeto porque temos o privilégio de acompanhar o que está acontecendo em outros países da região, traduzindo alguns desses aprendizados do que tem acontecido fora do Brasil para o projeto”, declara Marcos Siqueira, especialista em PPPs do Banco Inter-Americano de Desenvolvimento (BID).
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A PPP do Complexo Prisional de Erechim pode significar uma subida de patamar na formação de um mercado mais ativo no Brasil. O olhar externo se fez importante, uma vez que as soluções do modelo de negócio que o contrato de Erechim incorpora são muito similares àquelas adotadas em outros projetos de infraestrutura social, tanto em termos de alocação de risco quanto de modelos de pagamento e indicadores de desempenho.
Portanto, não há como compreender os desafios que esse projeto tem de bancabilidade, de financiabilidade e de atratividade comercial, sem compreender esse movimento mais amplo que tem acontecido fora do Brasil - e agora, também, aqui.