Players e autoridades debatem o avanço da transição energética no Brasil

Discussões destacaram a modernização, o planejamento estratégico e a incorporação de fontes renováveis como pilares fundamentais

24 de novembro de 2023Infraestrutura
Por Henrique Cisman

Membros do GRI Club Infra se reuniram para dois dias de diálogo entre si e com autoridades públicas a fim de debater o panorama da infraestrutura e energia no Brasil, visando destravar o grande potencial de investimentos no setor.

O encontro foi realizado em São Paulo e trouxe uma agenda robusta contemplando diversos subsegmentos, como transportes, mobilidade urbana, saneamento básico, energia e infraestrutura social. 

Confira a seguir os principais insights relacionados à transição energética. 
As discussões reuniram grandes nomes do mercado de energia no Brasil (imagem: João de Faria/GRI Club)

Modernização do setor elétrico - Como superar ineficiências e garantir sustentabilidade econômico-financeira?

O ponto central do debate sobre a modernização do setor elétrico é o equilíbrio entre subsídios para fontes renováveis e o custo da energia para o consumidor final, em um contexto de atualização da matriz energética - que durante décadas foi majoritariamente formada por hidrelétricas. Nos últimos 30 anos, a participação dessa fonte caiu de aproximadamente 90% para pouco mais de 56% na atualidade. 

Segundo membros do GRI Club Infra, é necessário haver mais discussão e transparência em relação à definição dos subsídios, de modo que os preços para o consumidor sejam mais equilibrados e se garanta a competitividade no mercado. 

Sessão sobre modernização do setor elétrico aconteceu em formato de mesa redonda (imagem: João de Faria/GRI Club)

Mesmo com os reservatórios de água cheios e preços mais baixos da energia ao longo do ano, ainda há solavancos com subida do preço em horários específicos do dia, o que, segundo os participantes, cria uma nova dinâmica para o setor em termos de despacho e combinação de fontes. 

Para alguns executivos, falta diálogo entre os players do setor: "Iniciativa privada e governo não estão alinhados para superar essas ineficiências e garantir sustentabilidade econômico-financeira". Para ilustrar a fala, foram indicados os aumentos nos preços da energia no Amapá e no Acre, nas ordens de 44% e 22%, respectivamente. 

De acordo com os participantes, a melhor política de subsídios é a complementariedade. Há um descontentamento com o alto custo da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), encargo setorial pago pelas empresas de distribuição a fim de viabilizar a competitividade de fontes como eólica, solar, pequenas usinas hidrelétricas e biomassa, dentre outras. 

A Frente Nacional dos Consumidores de Energia estima que do volume total pago em tarifas de energia elétrica em 2023, que supera R$ 340 bilhões, cerca de 40% se referem a tributos e encargos da CDE. "Existe um alto número de subsídios e pouca importância é dada a quem vai pagar essa conta", diz um executivo. 

Por fim, destaca-se o maior protagonismo de novas fontes na matriz energética brasileira em um curto espaço de tempo, com as eólicas e solares já representando cerca de 20% do total, seja pelos incentivos, seja pelos menores custos de CAPEX nos projetos consoante o desenvolvimento da cadeia de fornecedores. 

Silvio Rocha (Dal Pozzo Advogados) moderou o debate (imagem: João de Faria/GRI Club)

Planejamento energético - Como amadurecer modelos de negócios para a transição? 

Com a participação de representantes do Ministério de Minas e Energia e Ministério do Meio Ambiente, o debate sobre o amadurecimento de modelos de negócios para a transição energética destacou a necessidade de integração, que será incrementada pelo Programa Energias da Amazônia. 

Neste sentido, o governo federal buscará:
(i) interligar as regiões isoladas com o Sistema Interligado Nacional; 
(ii) hibridizar os locais onde não for possível fazer a interligação; 
(iii) substituir diesel por gás. 

Outros temas que estão na agenda do governo são a realização de três leilões de transmissão com investimentos estimados em R$ 60 bilhões entre 2023 e 2024, e a renovação das concessões de distribuição vincendas. No âmbito do Congresso Nacional, são mencionados os projetos de lei em tramitação sobre hidrogênio verde, combustível do futuro e transição energética.

Há consenso em relação à necessidade de pensar formas de incentivar as novas fontes de energia que não envolvam subsídios, uma vez que eles recaem sobre a conta do consumidor final. Da perspectiva de investimentos, principalmente externos, reforça-se a importância de ter intencionalidade ao investir em renováveis, com documentos e dispositivos que comprovem os atributos verdes.

Walfrido Ávila (Tradener) participa da discussão (imagem: João de Faria/GRI Club)

Em relação ao hidrogênio verde, há uma preocupação com o alto custo que o produto terá no Brasil em comparação aos preços praticados em outros países. Alguns participantes reforçam a necessidade de um arcabouço regulatório que possibilite os investimentos privados. Na contramão, outros destacam que o foco em hidrogênio verde, neste momento, é “irreal”, visto que deve demorar mais tempo para implementar a produção no Brasil - e o preço será alto. 

Assim, alguns executivos enfatizam a importância de discutir "problemas reais" do setor energético, como o apagão ocorrido em 2023, os impactos da expansão da participação de fontes intermitentes na matriz energética brasileira e o preço da energia. Nesse ponto, comentam que o modelo econômico do setor de energia precisa de um reset. Sobre essas questões, os participantes concordam com a importância de serem feitos ajustes regulatórios. 

Mencionam, ainda, a necessidade de isonomia entre as fontes de energia e de estudos para diminuir a volatilidade dos preços, bem como a importância de investimentos em tecnologia que integrem as fontes renováveis de energia ao atual sistema e aumentem a segurança energética do Brasil. 

Representantes do Ministério contam aos participantes o planejamento energético por parte do governo (imagem: João de Faria/GRI Club)

Renováveis - Como tornar mais robustos os incentivos à geração limpa?

O debate sobre renováveis visa achar caminhos para incentivar a geração limpa e renovável no cenário atual de fim de subsídios, juros e CAPEX altos e preço da energia baixo. Há consenso de que o Preço de Liquidação das Diferenças (PLD), apesar do momento de baixa, deve alcançar seu teto em breve. Essa variação se deve ao desenho do mercado de energia brasileiro, que leva a i) sobreoferta ou ii) déficit de energia. Existe um espaço de tempo entre a tomada de decisão para construção de uma usina e o pleno funcionamento dela para fornecimento de energia, fator que deve ser considerado.

As decisões tomadas hoje estão considerando o PLD baixo, mas há variáveis - principalmente climáticas - que devem ser levadas em consideração para a decisão de investimentos. Os executivos acreditam que a explosão tarifária vai acontecer e concordam que é fácil embutir subsídios na conta de luz, bem como reforçam que o sistema elétrico precisa diminuir os subsídios cruzados.

Entende-se que o CAPEX tem diminuído bastante, principalmente na geração de energia solar. Sobre as eólicas, as formas de investimento estão sendo reestruturadas. É necessária política de longo prazo que permita verificar os impactos dos subsídios, que deve promover a melhora da economia como um todo, não somente de parte do setor elétrico.

Players compartilham estratégias para promover o desenvolvimento de energias renováveis (imagem: João de Faria/GRI Club)

Pela regulação brasileira ainda ser incipiente, é importante ter um teto de preços. Para criá-lo, é necessário ter maturidade na regulação e no desenvolvimento do setor. Os executivos defendem que o mercado livre de energia é a solução, mas que há um problema na forma como tem sido feita a migração dos consumidores para esse modelo.

A matriz energética precisa de um mix com base termelétrica, hídrica e de renováveis. Há um problema na intermitência da fonte solar, que hoje é compensado pela geração hidrelétrica, mas precisa ser melhor endereçado. O investimento em armazenamento de energia se apresenta como solução para diminuir a intermitência. No entanto, há consenso de que não existe sinal de mercado para entrada do armazenamento no Brasil. Os participantes concordam que esse tema deve ser debatido no planejamento energético e as projeções devem ser transparentes. 

No novo contexto de economia de baixo carbono, reitera-se que o Brasil tem que assumir papel de liderança e se posicionar como protagonista na agenda da transição energética, vendendo-se para o mundo como potência em energias renováveis, inclusive biomassa e gás natural. Alguns participantes concordam que o mercado de hidrogênio não pode depender da Europa - deve-se focar no mercado interno para fertilizantes, mineração e siderurgia.

Da esquerda para direita: André Salgado (EDF Renewables), Marcus Macedo (AON) e Felipe Turon (Grupo Águas do Brasil) (imagem: João de Faria/GRI Club)

Hidrogênio verde - Melhor caminho para descarbonizar setores produtivos?

Os membros do GRI Club Infra indicam alguns pontos principais para o desenvolvimento do hidrogênio verde no Brasil: (i) escala da produção, (ii) corrida internacional por eletrolisadores, (iii) diminuição progressiva do custo e (iv) diferença de preço em relação à energia elétrica. Também foram citados os desafios regulatórios e a tentativa atual para sua estruturação. O hidrogênio verde já foi testado em pequena escala em termelétricas e usinas fotovoltaicas, sendo necessária certificação pela CCE. 

Em análise das experiências internacionais, a faixa temporal dos últimos cinco anos mostra que Ásia, África, Europa e Oriente Médio devem avançar significativamente nessa fonte no curto prazo. Já o Brasil é apontado como pouco eficiente por ter uma indústria nacional solar e eólica mais sólida. A corrida por eletrolisadores é um desafio para a indústria nacional - em um momento que o mercado vem demandando esses produtos. 

Atualmente, o preço da tonelada do hidrogênio verde é de U$$ 6, e a previsãopara os próximos cinco anos é que caia para U$$ 2 por tonelada. O grande empecilho desses projetos não é o custo, segundo os executivos, e sim a regulação, certificação e taxonomia da cadeia. Outras fontes derivadas do hidrogênio  que apresentam oportunidades são o hidrogênio de baixo carbono, de biogás e biometano. 

Em resposta a perguntas sobre o olhar do investidor para o desafio na análise preliminar do setor, aponta-se como necessária a existência de contratos que garantam volume e preço. A equação é sempre a moderação da alavancagem, temporal e financeira, sendo destaque a necessidade de mitigação de risco enquanto não há contratos vigentes. Os ativos térmicos – sob uma perspectiva qualitativa – foram indicados para a comparação com parâmetros do hidrogênio verde, apesar de terem mais histórico e benchmark.

Rodrigo Sarmento Barata (Madrona Advogados) em sessão sobre hidrogênio verde (imagem: João de Faria/GRI Club)

No quesito operacionalização, destaca-se a dependência entre contrapartes devido à imaturidade do mercado, especialmente em função da falta de mão de obra especializada. A necessidade e o risco de contratação recebem foco especial, uma vez que podem ser fator gerador de atrasos e, consequentemente, mais custos. 

Sobre energias alternativas ao hidrogênio, a amônia verde é mencionada, a exemplo do potencial que a Austrália tem de produção, juntamente com o leste asiático e o Japão. O Brasil ainda pode aproveitar a produção de amônia verde para navegação e ferrovias.

Em relação aos desafios logísticos e técnicos para frotas movidas a hidrogênio verde, o impacto de sua utilização é nulo no preço final, já que a energia elétrica é mais barata. O benefício reside no CAPEX, pois a infraestrutura necessária envolvida na promoção de mobilidade urbana em novos projetos - baseada em energia elétrica - é mais cara do que a implantação por hidrogênio verde. O custo de manutenção de projetos com hidrogênio verde também é menor, sendo menos recorrente. Portanto, o hidrogênio se justifica em novos projetos, com um custo competitivo para o futuro. 

O hidrogênio verde usado nas locomotivas em funcionamento na China se dá na forma líquida e possibilita a rodagem de mais de 1.000 km com uma carga – um VLT se desloca por cerca de 150 km. A diferença entre o trem movido a energia elétrica e outro movido a hidrogênio verde reside na existência de um módulo a mais no segundo, que converte hidrogênio em energia elétrica.

No rol de gargalos regulatórios, ganha ênfase a carência de normas e, como ponto recorrente, a preocupação com o atraso na regulação do hidrogênio verde. Caso não haja uma padronização, há possibilidade de restrição do Brasil em relação ao mercado mundial. A CCE é vista como ator em busca do protagonismo na regulação e certificação, de forma mais maleável. Reforça-se que os certificadores - para além do Estado - podem facilitar a convergência com o mercado mundial. Por isso, defende-se uma regulação mais “soft”, criada e capitaneada pelo mercado, que traga mais convergência com parâmetros internacionais.

Por fim, destaca-se a necessidade de: i) evitar a classificação do hidrogênio verde como combustível; ii) analisar quais políticas públicas realmente são essenciais para o setor; iii) implementar competências de agentes públicos que englobem hidrogênio verde. Para os executivos, está descartada uma revolução no setor.

Cayo Moraes (EDP) compartilha sua visão com os participantes (imagem: João de Faria/GRI Club)