RCR prevê classificação de concessionárias para tratamento diferenciado
Novo regulamento das concessões rodoviárias gera boas expectativas, mas tem pontos de atenção
A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) publicou recentemente a Resolução 5.950, que traz a primeira de cinco etapas do novo Regulamento das Concessões Rodoviárias (RCR). A iniciativa visa padronizar normas e reduzir as especificidades dos contratos, aumentando a segurança jurídica no setor.
Introdutório, o RCR1 traz disposições gerais do regulamento, normas de interpretação de conflitos, direitos e deveres dos usuários, das concessionárias e do poder concedente, além de indicativos do que deve ser consumado nas próximas etapas, como a criação de um sistema de classificação das empresas contratadas, considerada pela ANTT a espinha dorsal do RCR.
“Hoje, o setor de rodovias não dispõe de algum mecanismo que separe as boas [concessionárias] das más, isto é, as que cumprem o contrato e aquelas que não o fazem. A gente deixou enunciado no artigo 10 que isso vai ser uma espinha dorsal da regulação e vai se espraiar nas demais normas. Estamos chegando a uma proposta que deve vir a público em breve”, afirma o superintendente de Infraestrutura Rodoviária da ANTT, André Luís Freire.
A agência já tem algumas clarezas sobre os critérios de classificação, que deverão estar diretamente relacionados aos indicadores de serviço, como grau de qualidade do pavimento, nível de execução dos investimentos contratados, grau de êxito nos atendimentos operacionais (socorro médico e mecânico) e, possivelmente, apuração de indicadores econômico-financeiros, tais como nível de endividamento das concessões.
Freire explica que a classificação servirá como base para o tratamento das concessionárias: as mais bem ranqueadas, por exemplo, devem ser monitoradas presencialmente com menor frequência pelos fiscais da ANTT, bem como podem dispor de um prazo para corrigir irregularidades. “Uma concessionária que reiteradamente descumpre o contrato não faz jus ao ‘cartão amarelo’; faz mais sentido partir para a multa”, compara.
O presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR), Marco Aurélio de Barcelos, classifica a regulação responsiva como “muito arrojada”. Nas reuniões participativas para a elaboração do RCR1, o entendimento foi de que o conceito poderia gerar distorções, dado o tratamento diferenciado previsto.
A preocupação é endossada pela sócia do escritório Queiroz Maluf Sociedade de Advogados, Letícia Queiroz: “É o ponto mais problemático, que gerou maior insegurança no mercado pelo fato de não se saber ao certo o que vem. Não deixa de ser uma classificação promovida pela ANTT, que é uma parte do contrato, o que é uma situação compreensível, mas um tanto problemática nas concessões”, avalia.
Além do sistema de classificação, o RCR prevê sanções para concessionárias que praticarem litigância de má-fé, conforme explica Freire: “A gente nota que especialmente as concessionárias mais conflitivas usam do processo administrativo para obter vantagem, postergar pleitos, aplicação de sanções ou mesmo descontos tarifários. Essa norma sinaliza que a ANTT está atenta a esse tipo de abuso e tem meios de coibir essa atuação”.
Agenda positiva
A criação de um regulamento padronizado para as concessões rodoviárias é elogiada pelos agentes do setor. “A ANTT tem uma agenda positiva de simplificação, padronização e modernização dos contratos de concessão, eliminando subjetividades existentes nos atuais contratos”, opina o presidente da Divisão CCR Lam Vias, Eduardo Camargo.
“Consideramos esta atualização muito positiva, pois ela trata de temas fundamentais para garantir regras claras e transparentes nos contratos de concessão. Quanto mais segurança jurídica dentro de um contexto político estável tivermos, mais atrativo o mercado se torna para novos investimentos, criando empregos e aumentando a renda como um todo”, diz a diretora executiva de Relações Institucionais e Sustentabilidade da Arteris, Giane Zimmer.
Para o presidente da ABCR, o novo regulamento representa a concentração das normas, pacificando entendimentos: “Além de centralizá-las, já que as características contratuais são distintas conforme as etapas de concessão no plano federal, temos a oportunidade de revisitar as regras estruturantes com a participação de todos os envolvidos, uma forma de legitimar as reorientações”.
Segundo Zimmer, as diversas fases de concessão rodoviária - cada qual com muitas especificidades - dificultaram o devido acompanhamento e a fiscalização por parte da ANTT. “O intuito da atualização do regulamento é padronizar as regras, deixando os contratos mais enxutos e claros, permitindo melhor aplicação dos termos independentemente da etapa de concessão”, aponta a diretora da Arteris.
O superintendente de Infraestrutura Rodoviária da ANTT assinala que a proposta da reforma é “descontratualizar” uma série de matérias. “Hoje, os contratos de quarta etapa têm 120 páginas, em média. A ideia é enxugá-los, trazer muita coisa para a norma (RCR) e manter ali apenas o conteúdo tipicamente contratual”.
A advogada Letícia Queiroz concorda que a reforma trará mais segurança jurídica para os novos contratos, uma vez que as regras serão mais claras e uniformes, mas faz uma ressalva: “Alterações unilaterais do contrato não se aplicam às cláusulas econômico-financeiras, então desde que também seja assim no que se refere ao RCR, eu entendo que tende a contribuir”.
Barcelos acrescenta que, até a elaboração do RCR, havia um cipoal de fontes jurídicas que era preciso consultar para entender qual o regime jurídico aplicável aos contratos de concessão de rodovias, dificultando a leitura das regras e referências.
Por fim, Giane Zimmer ressalta a necessidade de alinhamento da ANTT com a Empresa de Planejamento e Logística (EPL), estruturadora das novas concessões de rodovias no Ministério da Infraestrutura, “para que os futuros contratos estejam em linha com o regulamento que está sendo atualizado pela agência e vice-versa”.
Aplicabilidade e adaptação de contratos vigentes
O Regulamento das Concessões Rodoviárias somente terá validade após publicadas as cinco etapas, o que deve ocorrer no último trimestre de 2022, segundo o superintendente da ANTT, André Luís Freire. As regras serão aplicadas automaticamente aos contratos firmados após o início da vigência do documento.
“Nos contratos já celebrados, a gente pretende fazer rodadas de negociação para viabilizar a adesão. Como prevalece o princípio da contratualidade, eles serão preservados. Só haverá mudança de regime se o concessionário aderir por meio de aditivo celebrado com a agência. A ideia é fomentar a adequação ao novo regime por meio de incentivos”, revela Freire.
Avanços em questões como fiscalização, penalidades e receitas podem ser estimulantes para a adaptação dos contratos. “Ao longo das cinco normas, tem uma série de mecanismos atrativos para que o concessionário venha a aderir, como a nova disciplina sobre receitas extraordinárias no RCR3”, diz a autoridade.
Segundo a diretora da Arteris, precisam ser aprimoradas as multas e penalidades nos contratos e na legislação vigente. “Não há clareza e, muitas vezes, o contrato está em contradição com a lei. Além disso, há casos em que a agência aplica critérios diferentes para situações similares, trazendo insegurança jurídica nos negócios e aumento dos custos das concessionárias”, diz.
Além da validade automática para novos contratos e do acordo de transição entre as partes (poder concedente e concessionária), Letícia Queiroz observa que o RCR1 prevê aplicação das novas regras quando houver lacunas nos contratos vigentes, ainda que eles tenham sido firmados antes do novo regulamento.
“Neste caso, eu acho um tanto mais problemático porque por mais que haja essa abertura no contrato, havia regulamentos vigentes à época que são diferentes dos que valem agora. Essa abertura não quer dizer que a regulamentação da agência não deva respeitar as especificidades que já estão no contrato”, opina a sócia do escritório Queiroz Maluf.
Ainda segundo Queiroz, fazer a uniformização é compreensível, mas não é tão simples. “O acordo das partes é positivo até para cuidar dessas especificidades, ao invés de prever uma aplicação automática do que é novo nos casos em que haja essa remissão. Essa possibilidade, assim como o sistema de classificação, podem gerar contencioso, são os pontos mais sensíveis do RCR1”.
O presidente da ABCR adota tom otimista: “O setor compreende a possibilidade de uma transformação regulatória. A gente percebe uma mudança na postura da ANTT, muito mais aberta, transparente, disposta ao diálogo e tecnicamente preparada. É um sinal dos novos tempos e a gente torce para que sejam tempos que permaneçam e se perpetuem”, encerra Marco Aurélio de Barcelos.
Por Henrique Cisman