Bolha imobiliária global? Especialistas descartam possibilidade

Risco é ainda menor no Brasil em função das regulamentações

22 de julho de 2021Mercado Imobiliário

Com base em dados da Bloomberg, um relatório de autoria do economista Niraj Shah alerta para o risco de uma nova bolha imobiliária com impacto global, assim como ocorreu na recessão de 2008. “O extraordinário estímulo que ajudou a colocar a economia global em pé está alimentando um novo problema”, afirma, referindo-se à possibilidade.

Analisando cinco variáveis diferentes - a relação entre os preços dos imóveis e o valor dos aluguéis, a relação entre os preços dos imóveis e a renda, o crescimento real dos preços, o crescimento nominal dos preços e o crescimento do crédito em termos anuais -, o estudo indica que há alguns países mais propensos ao estouro de uma bolha: Nova Zelândia, Canadá, Suécia, Reino Unido, Estados Unidos, Noruega e Dinamarca. 

Por mais que o setor imobiliário global realmente tenha esquentado durante a pandemia em função da valorização da moradia no cenário de isolamento social e dos estímulos monetários, especialistas desacreditam na hipótese levantada pelo relatório. A principal justificativa se baseia na atual conjuntura do mercado estadunidense, aquele com maior influência na economia mundial, vide a crise de 2008.

"Os preços das casas nos Estados Unidos subiram recentemente porque os compradores estão atrás do mesmo tipo de ativo, o que gera um desequilíbrio entre oferta e demanda. Não é como na recessão de 2008, quando empréstimos irresponsáveis levaram a uma especulação imobiliária mentirosa", diz Randall Loker, CIO da Paladin Realty Partners.

"Naquela oportunidade, os bancos norte-americanos começaram a fornecer crédito imobiliário para pessoas que certamente teriam dificuldades para pagar o imóvel [subprime lending]. A procura por casas explodiu e, quando a bolha estourou, o prejuízo foi enorme para as instituições financeiras", acrescenta Celina Antunes, CEO da Cushman & Wakefield South America.

A executiva, que tem contato direto com a divisão da empresa nos Estados Unidos, reforça que não existe esse temor entre os especialistas porque o mercado financeiro do país aprendeu 'algumas lições' na última recessão e tem tido uma postura mais conservadora na concessão de crédito imobiliário.

Em sintonia, Loker garante que, atualmente, não existem mais modalidades com 90% ou até 100% de financiamento do imóvel, como havia na época. De qualquer modo, o executivo entende que o preço das casas excedendo o crescimento salarial da população por uma ampla margem "não é um movimento de mercado saudável". 

Mercado brasileiro

Se o risco de bolha imobiliária nos Estados Unidos é remoto para os especialistas, no Brasil ele é ainda mais improvável. Segundo Rodrigo Tambuque, sócio do escritório Chodraui & Tambuque Advogados, o ordenamento jurídico e os sistemas financeiro e bancário brasileiros são muito mais centralizados do que os norte-americanos.

"Aqui não temos uma desregulamentação financeira como, de certa maneira, ainda há no mercado estadunidense. Em 2008, por exemplo, o presidente do Federal Reserve Board (FED), o banco central norte-americano, não reagiu aos primeiros sinais de que haveria uma crise por acreditar que o mercado fosse se regular sozinho. Trata-se historicamente do padrão americano de intervenção mínima do Estado na economia", afirma. 

Para ilustrar a diferença, o executivo lembra que, enquanto os Estados Unidos forneciam crédito barato para a compra de imóveis e geravam uma crise global em 2008, o Brasil se preparava para lançar o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida. "Aqui os imóveis são vendidos para quem efetivamente tem capacidade financeira ou com subsídio do governo", complementa Tambuque.

Vale lembrar que o Brasil também vive um gradual aumento no preço dos imóveis residenciais, motivado pelo aumento do custo de construção e da demanda. Além da valorização da moradia na pandemia, "muitos brasileiros estão procurando uma reserva de valor neste momento de baixas taxas de juros", esclarece Loker.

Os fundamentos sólidos por trás da elevação dos preços dos imóveis, assim como o enorme déficit habitacional do Brasil, são fatores que reduzem a especulação de uma possível bolha imobiliária no país. Tambuque, inclusive, cita que há estudos indicando que, em muitas praças, ainda há margem para uma valorização maior dos ativos.


Em resumo, os especialistas elogiam a capacidade do arcabouço jurídico e das regulamentações financeiras do Brasil de equilibrar oferta e demanda no mercado imobiliário. "Temos coisas muito boas, mas nem sempre as valorizamos", analisa Tambuque. Já Celina Antunes lembra que o Brasil foi pouco afetado pela crise econômica de 2008, quando comparado ao restante do mundo: "O país estava superprotegido".

Mercado latinoamericano

No restante da América Latina, onde Paladin e Cushman & Wakefield também atuam, a possibilidade de bolha imobiliária é igualmente pequena, segundo os representantes das empresas. Entretanto, isso não significa que outros países da América Latina não estejam vivenciando um aquecimento da atividade imobiliária.

"No México, as moradias de baixa renda estão performando muito bem", revela Loker, que salienta também o bom momento do mercado colombiano. O principal destaque negativo, por sua vez, é a Argentina, que passa por uma profunda crise econômica. "O setor imobiliário argentino está congelado", finaliza Antunes.


Por Daniel Caravetti