Elogiado, Requalifica Centro depende de outras medidas para ter sucesso
Programa agrada investidores, mas efeito pode ser limitado por questões sociais e legislações conflitantes
A Prefeitura de São Paulo sancionou em 21 de julho o programa Requalifica Centro, cujo objetivo é estimular a revitalização de edificações para uso habitacional e atrair investimentos para a região por meio de incentivos fiscais e administrativos, com uma aprovação mais simples e rápida dos projetos inseridos na área de 6,4 km² delimitada pelo Poder Executivo Municipal.
Os incentivos fiscais incluem isenção do IPTU nos três primeiros anos a partir da emissão do certificado de conclusão de obra, aplicação de alíquota progressiva pelo prazo de cinco anos após a isenção mencionada, redução da alíquota do ISS para 2% nos serviços relativos à obra de requalificação (engenharia, arquitetura, construção civil, limpeza, manutenção, meio ambiente), isenção de ITBI e remissão dos créditos de IPTU.
Sobre este último incentivo, o sócio do escritório Bicalho Advogados, Rodrigo Bicalho, explica que um dos principais obstáculos para requalificar o Centro de São Paulo é a necessidade de efetuar os pagamentos atrasados de IPTU, já que muitos proprietários deixaram de adimplir com o tributo em razão do processo de abandono e degradação da região nas últimas décadas.
“Há muitos prédios com dívidas de IPTU bastante elevadas, e se essas dívidas forem cobradas, o empreendedor ou dono do prédio talvez não tenha interesse ou condição financeira de aproveitar esse programa, pois antes teria que pagar essa dívida. A remissão é um perdão dos débitos para dar maior abrangência ao Requalifica Centro”, afirma Bicalho.
Embora seja uma decisão polêmica, uma vez que privilegia maus pagadores em detrimento daqueles que sempre foram adimplentes, Bicalho entende que a medida é essencial para que o programa tenha o sucesso almejado, já que sem a remissão não haveria o retrofit de muitos dos prédios que estão abandonados.
O especialista ainda destaca incentivos de natureza urbanística, como a dispensa do pagamento de outorga onerosa em caso de mudança de uso da edificação, manutenção do potencial construtivo que existia na época - muito superior ao da atualidade - e possibilidade de instalar espaços comerciais nos térreos e nas coberturas como áreas não computáveis.
Segundo a Prefeitura, a ideia é estimular o uso misto dos imóveis e, por isso, haverá isenção do pagamento de taxas municipais para instalação e funcionamento das unidades não-residenciais (lojas, por exemplo) no raio do programa.
Iniciativas agradam
A leitura do mercado é positiva. Para Mauro Lima, sócio da RB Capital, a Prefeitura está efetivamente investindo no Centro de São Paulo, já que se trata de uma isenção fiscal importante. O executivo destaca a “guerra fiscal” com municípios vizinhos e indica que a redução do ISS tem potencial de atrair novos negócios para a região. Por ora, entretanto, a empresa não monitora qualquer ativo.
Já a Ilion Partners, cuja atuação é predominantemente no Centro, acaba de adquirir um prédio residencial na Praça da Bandeira, embora não tenha se utilizado dos benefícios fiscais do Requalifica, até porque não haverá retrofit ou mudança de uso no edifício. O fundador da companhia, Maxime Barkatz, elogia a iniciativa, principalmente pela proposta de agilizar a aprovação dos projetos.
“Dentro da lei, existe a criação de uma espécie de ‘Aprova Rápido’, um fast track das aprovações de retrofit. Seguramente, esta é uma alteração grandiosa que abre oportunidades”, afirma o executivo.
O sócio-diretor da TPA Empreendimentos, Mauro Teixeira, entende que o Requalifica Centro traz incentivos na direção certa, seja pela vertente tributária, seja pelo compromisso da Prefeitura em facilitar as aprovações de retrofit. “É um programa ótimo, que ainda precisa ser testado na prática, mas que já nos permitiu enquadrar um projeto em desenvolvimento”.
O executivo diz que não pode dar mais detalhes no momento, mas revela que se trata de uma conversão de uso de um edifício situado no Centro de São Paulo.
Teixeira também ressalta que a abdicação fiscal tem como contrapartida a volta das atenções para a região e o reaproveitamento da infraestrutura existente. “Hoje, o IPTU está atrasado, não existe ITBI nem ISS. Seria um problema o governo retomar prédios inadimplentes sem condições de habitabilidade. Então, do ponto de vista fiscal, o programa é excelente”.
Degradação social e PIU podem atrapalhar
O entusiasmo com os efeitos do Requalifica Centro é reduzido por questões marginais, como os problemas sociais da região. “Já cheguei a fechar negócios que acabaram não dando certo por causa da insegurança. A iniciativa privada tem total interesse em fazer esse desenvolvimento, mas isso esbarra na questão social, nas drogas, na violência”, afirma Mauro Lima.
Também é um fator limitante o tamanho da área na qual haverá os incentivos, considerada pequena pelo executivo. “Eu acho que 6,4 km² é um raio tímido, poderia ser maior, mas o principal desafio da Prefeitura - e também do Governo do Estado - é o problema social, realmente”, ratifica.
Segundo Rodrigo Bicalho, apesar da ausência de regras mais específicas para o retrofit em outras regiões da cidade, houve um avanço importante trazido pelo Código de Obras em 2017. “O retrofit era praticamente inviável [até então] porque tinha que fazer uma adequação das edificações às normas de segurança atuais, por exemplo, um prédio com nível de segurança 2 precisava alcançar o nível 10, o que é estruturalmente impraticável”.
Para Mauro Teixeira, a maior preocupação é com o Projeto de Intervenção Urbana (PIU) do Setor Central, que também integra o planejamento da Prefeitura rumo à revitalização do Centro, assim como as melhorias no Vale do Anhangabaú e no Minhocão. “O PIU atinge tanto retrofits quanto construções novas, e para construções novas vai na direção contrária, ele as onera”, diz o executivo.
Neste sentido, o temor é que o desestímulo a novos empreendimentos na região possa prejudicar a conversão e o retrofit de prédios antigos em termos mercadológicos. “O efeito do Requalifica pode ser contrabalançado pelo PIU, que na minha opinião é um projeto danoso para a recuperação do Centro”, afirma Teixeira.
De acordo com Bicalho, é importante que não sejam aprovados projetos que venham a colidir com o Requalifica, como é o caso do PIU. “Se começar a ter dúvidas nas leis, haverá insegurança jurídica e isso afastará o empreendedor”.
Por Henrique Cisman