Exclusivo: Ceron e Galípolo falam sobre meta fiscal e taxa de juros
Cenário internacional pode impactar ritmo da Selic, alertam autoridades
12 de outubro de 2023Mercado Imobiliário
Por Júlia Ribeiro, sob supervisão de Henrique Cisman
Diante de intensos debates sobre o futuro econômico do Brasil, com a aprovação do novo arcabouço fiscal e a perspectiva de contínuas mudanças na taxa de juros, o GRI Club promove encontros estratégicos com as principais autoridades do setor público e representantes do setor privado para trazer luz sobre os movimentos do país.
Nas últimas semanas, foram realizadas reuniões com Rogério Ceron, Secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, e Gabriel Galípolo, Diretor de Política Monetária do Banco Central do Brasil.
No encontro com Rogério Ceron, a pauta foi a nova regra fiscal que substitui o teto de gastos - vigente desde o governo Temer, que limitava as despesas do ano seguinte ao orçamento do ano presente corrigido pela inflação. Ceron defende que o novo arcabouço é mais crível e adequado.
"Não adianta criar uma regra que é completamente incompatível com a nossa realidade institucional e com a nossa sociedade. Acho que é importante distinguir que o arcabouço continua com o limite de despesa, variando de 0,6% a 2,5%, sendo esses 2,5% iguais ao crescimento econômico médio do Brasil durante os últimos 20 anos. Então, ainda que a despesa chegue no limite, o tamanho do Estado fica mais ou menos igual", destaca Ceron.
No entanto, ele reconhece os desafios que o Brasil enfrenta atualmente, e que será difícil atingir a meta de zerar o déficit primário em 2024, mas ressalta que as medidas para chegar lá envolvem limitações nos gastos e reajustes dos servidores públicos.
“O importante da meta fiscal zero é que a gente está tentando virar esse transatlântico [déficit fiscal]. Esse processo sinaliza um caminho mais estável”.
Ceron também fala sobre a implementação dessa meta e as resistências internas enfrentadas para estipular um déficit fiscal zero no ano que vem: “Foi um desafio muito grande. Havia um cenário de 2% de déficit contratado e mais desejo de ampliação de gastos num contexto político muito difícil para trazer uma pauta de ajuste fiscal, com a sociedade muito dividida, em que as pessoas não querem tomar medidas que possam gerar ônus do ponto de vista social”.
Quando questionado sobre um possível aumento da tributação no país, o Secretário do Tesouro Nacional argumenta que não se esperam grandes mudanças na carga, e destaca a crescente atividade econômica como um ponto positivo.
Ele ainda ressalta a oportunidade que o Brasil tem na transição energética global, o que pode permitir ao país se reinserir nas cadeias globais de forma significativa. “Temos uma janela importante. Às vezes a história nos dá uma oportunidade e não podemos jogá-la fora”.
Apesar dos cuidados, Ceron aborda também a importância do investimento público - especialmente para alavancar a infraestrutura social, como habitação, e acredita que estados e municípios têm um papel importante nesse processo.
Dentro desse cenário, ele ressalta a importância do investimento em educação e o efeito disso no longo prazo, mas alerta para a ineficiência histórica dos investimentos no setor, que já tem um orçamento previsto até 40% maior para o Fundeb até 2026. “É muito dinheiro, que bem utilizado muda o país, mas foi aprovado sem nenhuma condicionante. Não tem meta. Precisamos ter capital e recursos humanos para poder seguir em frente”.
Além disso, ele menciona a rimplantação de programas essenciais, como o "Desenrola", que deve ajudar o país a sair do ciclo de dívidas agravado pela pandemia, e pede calma para retomada econômica mais robusta.
“As questões estruturais levam tempo. A reforma tributária mesmo, estamos tentando segurar ao máximo [os pedidos de exceção] para sair como algo equilibrado. A ideia é passar pelo Senado em outubro e estamos criando condições para isso. Tem uma série de medidas que estão sendo tomadas na área de crédito e segurança do investidores”, ressalta.
No que diz respeito aos precatórios, Ceron enfatiza a importância de evitar que a dívida cresça descontroladamente. Ele defende a proposta de pagar 65% como despesa primária e 35% como juro da despesa financeira como um meio-termo para evitar um problema fiscal maior no futuro.
O ponto de atenção é um possível esgotamento especialmente do FGTS devido a uma ação judicial que contesta o indexador de remuneração dos cotistas, mas Ceron acredita que a gravidade do tema está bem esclarecida no STF e que não há riscos significativos de uma mudança drástica. “Não posso adiantar muito, mas posso assegurar que não vai ter nenhum tipo de grande alteração neste sentido”.
Ele também destaca os esforços do governo em impulsionar o programa "Minha Casa, Minha Vida", com a ideia de disponibilizar entre R$10-20 bilhões em subsídios para a habitação social anualmente.
Um executivo enfatiza a necessidade de direcionar maior atenção à classe média, e salienta que é fundamental proteger mais esse grupo, uma vez que é o mais impactado por tributações no Brasil - e responde por uma parcela importante no mercado imobiliário.
Para Ceron, a análise do cenário internacional também tornou-se uma parte fundamental dessa equação. Ele destaca a importância de se manter um olhar atento sobre a taxa de juros dos Estados Unidos. “A depender de como fica lá fora, acho difícil baixarmos além de 10% aqui”.
"Se a taxa americana permanecer estável ou até mesmo subir, isso poderá limitar a queda das taxas de juros brasileiras. O ciclo de redução que estávamos seguindo tem sido fundamental para impulsionar o setor imobiliário", completa.
Gabriel Galípolo, Diretor de Política Monetária do Banco Central do Brasil, que participou do Fórum GRI de Fundos Imobiliários na primeira semana de outubro, enfatiza a necessidade de abordar com “humildade” os juros no cenário atual.
Ele observa que questões geopolíticas e os impactos contínuos da pandemia da Covid-19 desencadearam desarranjos nas cadeias produtivas globais, resultando em aumento de custos. "Os Estados Unidos estão pagando mais em termos de juros, e o aumento de suas taxas prejudica a queda das taxas de juros no Brasil", alerta.
Galipolo também destaca a demanda crescente por financiamento público nos Estados Unidos (US$200 bi/mês), que leva o Tesouro americano a emitir mais títulos, exercendo pressão para elevar as taxas de juros internas.
No entanto, ele reconhece a posição relativamente privilegiada do Brasil diante do impacto do aumento dos Fed Funds, com o início do ciclo de redução da Selic, do cenário de crescimento econômico e das reservas internacionais robustas.
“O que a gente escuta lá fora é que fizemos a lição de casa e estamos performando melhor do que nossos pares, mas que o diferencial de juros está estreitando".
Para ele, diante da robustez da atividade econômica nos Estados Unidos, pode ser necessário que o Federal Reserve opte por manter as taxas de juros em patamares elevados por um período prolongado.
Ceron ainda traz outros elementos - como a crise imobiliária da China e do mercado Europeu - como outros fatores de alerta, e reafirma que qualquer que seja o motivo, se as metas fiscais do Brasil não forem cumpridas, o novo arcabouço prevê o acionamento de gatilhos para limitação de gastos públicos.
“Não está no radar um cenário de tanto estresse assim. Talvez tenha algum estresse na China, mas eu acho que a gente está bem posicionado”, encerra.
Diante de intensos debates sobre o futuro econômico do Brasil, com a aprovação do novo arcabouço fiscal e a perspectiva de contínuas mudanças na taxa de juros, o GRI Club promove encontros estratégicos com as principais autoridades do setor público e representantes do setor privado para trazer luz sobre os movimentos do país.
Nas últimas semanas, foram realizadas reuniões com Rogério Ceron, Secretário do Tesouro Nacional do Ministério da Fazenda, e Gabriel Galípolo, Diretor de Política Monetária do Banco Central do Brasil.
No encontro com Rogério Ceron, a pauta foi a nova regra fiscal que substitui o teto de gastos - vigente desde o governo Temer, que limitava as despesas do ano seguinte ao orçamento do ano presente corrigido pela inflação. Ceron defende que o novo arcabouço é mais crível e adequado.
"Não adianta criar uma regra que é completamente incompatível com a nossa realidade institucional e com a nossa sociedade. Acho que é importante distinguir que o arcabouço continua com o limite de despesa, variando de 0,6% a 2,5%, sendo esses 2,5% iguais ao crescimento econômico médio do Brasil durante os últimos 20 anos. Então, ainda que a despesa chegue no limite, o tamanho do Estado fica mais ou menos igual", destaca Ceron.
Rogério Ceron em reunião com membros do GRI Club (Foto: Mario Miranda/GRI Club)
No entanto, ele reconhece os desafios que o Brasil enfrenta atualmente, e que será difícil atingir a meta de zerar o déficit primário em 2024, mas ressalta que as medidas para chegar lá envolvem limitações nos gastos e reajustes dos servidores públicos.
“O importante da meta fiscal zero é que a gente está tentando virar esse transatlântico [déficit fiscal]. Esse processo sinaliza um caminho mais estável”.
Ceron também fala sobre a implementação dessa meta e as resistências internas enfrentadas para estipular um déficit fiscal zero no ano que vem: “Foi um desafio muito grande. Havia um cenário de 2% de déficit contratado e mais desejo de ampliação de gastos num contexto político muito difícil para trazer uma pauta de ajuste fiscal, com a sociedade muito dividida, em que as pessoas não querem tomar medidas que possam gerar ônus do ponto de vista social”.
Quando questionado sobre um possível aumento da tributação no país, o Secretário do Tesouro Nacional argumenta que não se esperam grandes mudanças na carga, e destaca a crescente atividade econômica como um ponto positivo.
Ele ainda ressalta a oportunidade que o Brasil tem na transição energética global, o que pode permitir ao país se reinserir nas cadeias globais de forma significativa. “Temos uma janela importante. Às vezes a história nos dá uma oportunidade e não podemos jogá-la fora”.
Apesar dos cuidados, Ceron aborda também a importância do investimento público - especialmente para alavancar a infraestrutura social, como habitação, e acredita que estados e municípios têm um papel importante nesse processo.
Dentro desse cenário, ele ressalta a importância do investimento em educação e o efeito disso no longo prazo, mas alerta para a ineficiência histórica dos investimentos no setor, que já tem um orçamento previsto até 40% maior para o Fundeb até 2026. “É muito dinheiro, que bem utilizado muda o país, mas foi aprovado sem nenhuma condicionante. Não tem meta. Precisamos ter capital e recursos humanos para poder seguir em frente”.
Além disso, ele menciona a rimplantação de programas essenciais, como o "Desenrola", que deve ajudar o país a sair do ciclo de dívidas agravado pela pandemia, e pede calma para retomada econômica mais robusta.
“As questões estruturais levam tempo. A reforma tributária mesmo, estamos tentando segurar ao máximo [os pedidos de exceção] para sair como algo equilibrado. A ideia é passar pelo Senado em outubro e estamos criando condições para isso. Tem uma série de medidas que estão sendo tomadas na área de crédito e segurança do investidores”, ressalta.
No que diz respeito aos precatórios, Ceron enfatiza a importância de evitar que a dívida cresça descontroladamente. Ele defende a proposta de pagar 65% como despesa primária e 35% como juro da despesa financeira como um meio-termo para evitar um problema fiscal maior no futuro.
Encontro aconteceu na sede da HSI em São Paulo (Foto: Mario Miranda/GRI Club)
Financiamento imobiliário será afetado?
Em um dos debates, foi abordado o financiamento no setor imobiliário que, em grande parte, depende fortemente de recursos direcionados. Muitos players se perguntam como é possível criar uma indústria de securitização e mercado de capitais mais eficaz no país, em vez de depender exclusivamente dos recursos do FGTS e da poupança.O ponto de atenção é um possível esgotamento especialmente do FGTS devido a uma ação judicial que contesta o indexador de remuneração dos cotistas, mas Ceron acredita que a gravidade do tema está bem esclarecida no STF e que não há riscos significativos de uma mudança drástica. “Não posso adiantar muito, mas posso assegurar que não vai ter nenhum tipo de grande alteração neste sentido”.
Ele também destaca os esforços do governo em impulsionar o programa "Minha Casa, Minha Vida", com a ideia de disponibilizar entre R$10-20 bilhões em subsídios para a habitação social anualmente.
Um executivo enfatiza a necessidade de direcionar maior atenção à classe média, e salienta que é fundamental proteger mais esse grupo, uma vez que é o mais impactado por tributações no Brasil - e responde por uma parcela importante no mercado imobiliário.
Taxa de Juros
A taxa de juros tem ocupado uma posição central nas conversas sobre o destino da economia brasileira. Executivos dizem que, em muitas ocasiões, ela é convenientemente apontada por governos como um alvo para justificar problemas internos, especialmente quando atinge patamares elevados, como ocorreu no Brasil, quando alcançou 13,75%.Para Ceron, a análise do cenário internacional também tornou-se uma parte fundamental dessa equação. Ele destaca a importância de se manter um olhar atento sobre a taxa de juros dos Estados Unidos. “A depender de como fica lá fora, acho difícil baixarmos além de 10% aqui”.
"Se a taxa americana permanecer estável ou até mesmo subir, isso poderá limitar a queda das taxas de juros brasileiras. O ciclo de redução que estávamos seguindo tem sido fundamental para impulsionar o setor imobiliário", completa.
Gabriel Galípolo, Diretor de Política Monetária do Banco Central do Brasil, que participou do Fórum GRI de Fundos Imobiliários na primeira semana de outubro, enfatiza a necessidade de abordar com “humildade” os juros no cenário atual.
Gabriel Galípolo foi convidado especial de painel no Fórum GRI de Fundos Imobiliários (Foto: Mario Miranda/GRI Club)
Ele observa que questões geopolíticas e os impactos contínuos da pandemia da Covid-19 desencadearam desarranjos nas cadeias produtivas globais, resultando em aumento de custos. "Os Estados Unidos estão pagando mais em termos de juros, e o aumento de suas taxas prejudica a queda das taxas de juros no Brasil", alerta.
Galipolo também destaca a demanda crescente por financiamento público nos Estados Unidos (US$200 bi/mês), que leva o Tesouro americano a emitir mais títulos, exercendo pressão para elevar as taxas de juros internas.
No entanto, ele reconhece a posição relativamente privilegiada do Brasil diante do impacto do aumento dos Fed Funds, com o início do ciclo de redução da Selic, do cenário de crescimento econômico e das reservas internacionais robustas.
“O que a gente escuta lá fora é que fizemos a lição de casa e estamos performando melhor do que nossos pares, mas que o diferencial de juros está estreitando".
Para ele, diante da robustez da atividade econômica nos Estados Unidos, pode ser necessário que o Federal Reserve opte por manter as taxas de juros em patamares elevados por um período prolongado.
Executivos acompanham fala de Galípolo durante Fórum GRI de Fundos Imobiliários (Foto: Mario Miranda/GRI Club)
Ceron ainda traz outros elementos - como a crise imobiliária da China e do mercado Europeu - como outros fatores de alerta, e reafirma que qualquer que seja o motivo, se as metas fiscais do Brasil não forem cumpridas, o novo arcabouço prevê o acionamento de gatilhos para limitação de gastos públicos.
“Não está no radar um cenário de tanto estresse assim. Talvez tenha algum estresse na China, mas eu acho que a gente está bem posicionado”, encerra.
O cenário macroeconômico volta a ser pauta no Brazil GRI 2023. Saiba mais!