GRI realiza primeiro evento focado em residencial para renda no Brasil
Encontro presencial colocou em pauta os principais desafios para consolidar o modelo de negócio no país
Após alguns anos organizando salas temáticas dentro de outros eventos, o GRI Club Real Estate Brazil realizou a primeira edição do fórum exclusivo sobre residencial para renda no país, reunindo os principais investidores, desenvolvedores e operadores do segmento no Centro de Convenções do São Paulo Corporate Towers, no último dia 9.
A programação trouxe apresentações de quatro cases de sucesso na área e seis painéis de debates temáticos, iniciando por um talk show com as presenças de Carolina Burg, CEO da JFL Realty, André Lucarelli, vice-presidente de Investimentos da Brookfield Property Brazil, e Ken Wainer, sócio-fundador da VBI Real Estate. A moderação coube a Fábio Araújo, sócio-diretor da Brain Inteligência Estratégica, que apresentou alguns números sobre o potencial deste mercado.
Nos Estados Unidos, visto como referência, 34% do mercado imobiliário residencial é de aluguel. No Brasil, o volume cai para 18% apenas. Na cidade de São Paulo, onde está o maior mercado consumidor do país, há pouco mais de 1 milhão de imóveis residenciais alugados atualmente. Segundo Araújo, como está cada vez mais difícil comprar a casa própria, o potencial de crescimento é enorme. Em 2040, estima-se que 24% dos imóveis residenciais serão para aluguel em todo o país.
De acordo com Wainer, a acentuada queda de juros nos últimos quatro anos estimulou o investimento imobiliário para renda. A VBI fez aportes de R$ 400 MM nos últimos 18 meses. Já Lucarelli destacou que a subida da Selic prejudica o desenvolvimento do negócio, pois a atividade é impactada pelos juros.
Carolina Burg destacou que o aluguel está defasado no Brasil, com uma perspectiva de valorização real nos próximos anos. “A questão é em qual segmento se consegue fazer isso. Na alta renda, certamente tem espaço para aumentar o valor do aluguel. Há poucos produtos estruturados no mercado”, assinalou.
Opening session trouxe as perspectivas dos investidores para o mercado de aluguel residencial no Brasil. Foto: Flávio R. Guarnieri/GRI Club
Segundo Lucarelli, a Brookfield pretende implementar no Brasil a estratégia utilizada nos Estados Unidos, com a duração dos contratos estipulada em 30 meses. Já a VBI tem focado no público jovem - de 18 a 27 anos - e estipula períodos mais curtos nos contratos, de 12 meses em média. “Hoje, operamos 1,5 mil unidades. Nós vendemos experiências para jovens que estão saindo do ambiente familiar, em um momento de transição de suas vidas”, disse Wainer.
Lei do Inquilinato é um problema?
O painel jurídico se debruçou basicamente em dois temas: em um primeiro momento, os convidados debateram o prazo contratual determinado pela Lei do Inquilinato, que é de 30 meses. Segundo Maria Flavia Seabra, sócia e head de Real Estate do escritório Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados, a questão é realmente delicada, pois reduzir o tempo de contrato para 12 meses - prática já realizada por operadores - não resolve o problema por completo.
“O ideal seria haver segurança jurídica para o contrato de mid stay (12 meses). No momento, fazemos o contrato padrão de 30 meses com ausência de multa caso haja rescisão no período de 6 a 12 meses”, concordou José Cyrillo, head of Legal da Yuca, uma das principais operadoras de residencial para renda no Brasil.
Representante da M3 Capital, Irina Pissarra destacou que mexer na Lei do Inquilinato - no entendimento da companhia - pode gerar mais problemas do que soluções. “A questão dos 30 meses está dada. Bem ou mal, o mecanismo utilizado atualmente funciona”.
O ponto de vista foi corroborado pelo sócio-fundador da Yuca, Rafael Steinbruch: “A Lei do Inquilinato foi criada pensando na negociação entre pessoas físicas, porém eu tenho medo de mexer nesse vespeiro e sair uma jabuticaba”, brincou.
Painel jurídico colocou em pauta alguns dos maiores desafios na operação do modelo. Foto: Flávio R. Guarnieri/GRI Club
A segunda metade do painel trouxe a questão da ingerência condominial, classificada pelo moderador da discussão, Rodrigo Bicalho, sócio do Bicalho Advogados, como de suma importância. “A orientação é que sejam colocadas regras claras no condomínio e até multas contratuais [em caso de descumprimento]”, afirmou.
Segundo Cyrillo, a questão condominial dificulta a pulverização de ativos, algo que tem sido mais problemático do que a própria operação dos apartamentos. Já a M3 Capital adquire 100% das unidades dos prédios, impedindo qualquer problema em relação à administração do condomínio.
De acordo com Maria Flávia, a expulsão de um inquilino por eventual comportamento inadequado é complicada em qualquer situação. “Quando falamos de unidades pulverizadas, o problema toma outra proporção”. Para Rodrigo Tambuque, sócio do escritório Chodraui & Tambuque Advogados, mesmo a inserção de regras no contrato não afasta o direito de defesa nem impede que o processo seja moroso.
Segundo Marcos Prado, sócio do Cescon Barrieu Advogados, tem-se utilizado da Lei de Liberdade Econômica em alguns casos para superar as limitações impostas pela Lei do Inquilinato, mas a estratégia é mais complicada quando se trata de aluguel residencial. “Talvez o ideal seja criar uma lei específica para esse modelo, assim como foi feito com os distratos e outros temas”, sugeriu.
Short, mid ou long stay?
O painel sobre a gestão operacional dos ativos reuniu os mais diversos modelos de residencial para renda, de locações curtas (short stay) aos contratos tradicionais de 30 meses (long stay), passando pelas estadias de temporada (mid stay).
Segundo Luiz Mazetto, diretor geral da Casai no Brasil, seja qual for a operação, é essencial haver escala, sendo a tecnologia um grande diferencial para auxiliar na gestão dos ativos. A empresa tem como público-alvo pessoas de alta renda, entendendo que é mais fácil construir a marca do topo da pirâmide para a base, em uma futura expansão.
Fundador da Gardi, Guilherme Britto chamou atenção para o crescimento do mercado no Brasil recentemente. “Há 5 anos, não tinha uma operadora sequer no país, mas já se percebia uma enorme demanda. Hoje, a cada semana tem um player novo”. O CPO da JFL Realty, Américo Nakano, destacou que hoje há muito mais segurança jurídica para os investidores.
Operadores dos mais variados tipos contribuíram no painel sobre gestão. Foto: Flávio R. Guarnieri/GRI Club
Já o CEO da Charlie, Allan Sztokfisz, disse que o short stay tem uma vantagem em relação aos canais de distribuição, já que há várias plataformas de divulgação das unidades, mas o custo para anunciar é elevado, o que impacta diretamente a rentabilidade. “Para locação mensal, é ainda mais difícil porque simplesmente não existe canal de distribuição”.
Fundos imobiliários já são realidade no negócio?
Para Alexandre de Oliveira, sócio e portfólio manager da Rio Bravo Investimentos, a criação do ecossistema leva tempo. “Vai demorar um pouco até o investidor entender a tese, mas estamos em um caminho muito positivo para esse crescimento. É um mercado muito relevante nos Estados Unidos; não tem porquê não o ser também aqui”. A gestora tem hoje patrimônio de R$ 125 MM em seu fundo residencial para renda.
Segundo Edson Ferrari, diretor de Mercado de Capitais da CBRE, o Brasil teria R$ 50 bilhões investidos em multifamily se o mercado fosse proporcionalmente igual ao norte-americano. “Hoje, se pegarmos todos os fundos imobiliários de renda residencial no Brasil, talvez não chegue a R$ 500 MM”.
Pedro Galvão, vice-presidente de Real Estate Asset Management do CSHG, destacou que o momento é ingrato para o capital institucional, que naturalmente já aguarda um tempo maior até que novas teses se consolidem. “Tem bastante interesse, mas pouca injeção de recursos de fato”.
Captações de fundos imobiliários de renda residencial ainda são tímidas no Brasil. Foto: Flávio R. Guarnieri/GRI Club
Ferrari disse que o investidor deveria estar comprando, dado o descolamento dos preços dos fundos imobiliários em razão da subida de juros e considerando que os dividendos são superiores a 8% ao ano, bem como que deve haver uma valorização das cotas de 10% ao ano até 2024 se a Selic voltar a cair e o Ifix retornar aos patamares de antes.
“O ambiente macroeconômico ruim não muda os fundamentos e as premissas do mercado imobiliário, principalmente de residencial para renda, que se mantêm fortes. O investidor tem que ter paciência com a volatilidade”, encerrou Oliveira.
Por Henrique Cisman