Incorporadoras do segmento econômico ampliam atuação para renda média
Atuar fora do Casa Verde e Amarela permite explorar melhor os grandes ciclos do setor
Em boa parte da última década, o Brasil conviveu com uma Selic acima de 10% ao ano e consequentes altas taxas de juros no financiamento de imóveis. Neste período, o setor imobiliário diminui drasticamente a produção imobiliária para o público de média renda, que teve sua capacidade de compra limitada.
O foco das incorporadoras, portanto, foram os produtos para a alta renda, que dependem menos de crédito imobiliário, e para a baixa renda, uma vez que o antigo programa Minha Casa, Minha Vida, atualmente Casa Verde e Amarela, conta com subsídio do governo e teto de juros.
Todavia, com os cortes realizados na taxa básica de juros nos últimos anos e o crédito imobiliário mais barato, as oportunidades na média renda foram retomadas. Empresas como Direcional, MRV e Pacaembu observaram esta janela e têm investido no segmento, principalmente na faixa de renda logo acima do Casa Verde e Amarela.
"Nominamos internamente esta categoria de médio-econômico. Nossa proposta de valor é se apropriar do modelo de construção industrializado da Direcional, mas para desenvolver produtos com mais opções de lazer e em regiões mais centralizadas", diz Paulo Assis, CEO da Riva, subsidiária da Direcional criada para atuar junto a um público de renda média.
A empresa está presente, inicialmente, em quatro estados do país - Amazonas, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo - onde julga ter bastante experiência como Direcional. O landbank da matriz, inclusive, vem sendo utilizado pela Riva para o desenvolvimento dos projetos.
Dos cinco empreendimentos já entregues, há um na capital paulista e outro em Manaus. Os demais estão localizados em Minas Gerais, sendo dois em Contagem e um em Belo Horizonte. No estado de São Paulo, a empresa também tem investido na região metropolitana de Campinas.
Link Ipiranga, na cidade de São Paulo, é um dos empreendimentos prontos para morar. Crédito: Divulgação/Riva
De acordo com Assis, o ticket médio dos projetos da Riva é de R$ 285 mil, com uma variação de preço entre R$ 200 mil e R$ 500 mil. "Em alguns endereços de São Paulo e do Rio de Janeiro, é necessário subir o ticket", justifica o executivo.
Enquanto isso, na MRV, a própria matriz passou a desenvolver projetos para a faixa de renda logo acima do segmento econômico e com financiamento via SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo), segundo o CEO Eduardo Fischer.
"Trata-se da Linha Class, com produtos entre R$ 260 mil e R$ 350 mil. Já fizemos lançamentos em Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre e Campinas", afirma o executivo, que também enaltece o fato de poder trabalhar com outros bancos nestes empreendimentos.
A incorporadora ainda criou, recentemente, uma marca chamada Sensia, que constrói empreendimentos um pouco mais caros, entre R$ 400 e R$ 500 mil. Até o momento, foi lançado apenas um projeto, em Campinas, mas outros já estão no pipeline da companhia.
Quadra de tênis no projeto do Sensia Parque Prado. Crédito: Divulgação/Sensia
"Pela Sensia, temos outros lançamentos planejados em Maceió, Belo Horizonte e mais um em Campinas. A nossa estratégia é aumentar o tamanho da nossa base, que em um dado momento era muito focada em um único tipo de imóvel", garante Fischer. Vale lembrar que o grupo também tem investido no mercado residencial para renda, através da Luggo.
Assim como Direcional e MRV, a Pacaembu segue focada principalmente no desenvolvimento de produtos que se enquadram no Casa Verde e Amarela, mas pretende atender igualmente uma faixa de renda logo acima do programa habitacional. A empresa, que tem como principal expertise a incorporação horizontal, lançou um empreendimento em São José do Rio Preto com financiamento imobiliário via poupança.
Fenhouse tem plantas de 90 m² e terrenos de 200 m². Crédito: Divulgação/Fenhouse
Mesmo atuando em uma faixa de renda acima e com outro fundo, a empresa trouxe uma solução do segmento econômico. Trata-se do financiamento antes da entrega das unidades, o grande diferencial do projeto segundo o vice-presidente de Negócios da Pacaembu Construtora, Victor Bassan.
"A experiência de repasse na planta não é usual no segmento de média renda e vai reduzir os riscos de distrato e melhorar o fluxo de caixa. Acreditamos nesse modelo de negócio e, se formos bem sucedidos, devemos consolidá-lo", complementa.
O executivo garante ainda que o passo dado pela Pacaembu significa explorar um ramo menos defensivo, tendo em vista que o Casa Verde e Amarela tem um orçamento bastante travado.
"O segmento econômico nunca oscilou como os demais, que tem crises, mas também tem excelentes momentos. O programa habitacional fornece uma boa estabilidade, mas não permite explorar os grandes ciclos do mercado imobiliário. Podemos ver que, nos momentos de alteração estrutural, como a queda de juros, os negócios se mantiveram constantes", avalia Bassan.
Previsão de alta da Selic e do IPCA
No tocante aos juros, inclusive, não há como ignorar as recentes decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central. Na última reunião do órgão, a Selic foi elevada 0,75 pontos percentuais, para 4,25% ao ano, e a previsão para o fim deste ano foi revisada para 6,50%. Segundo Fischer, contudo, o movimento não terá grande impacto no mercado residencial de média renda.
"Obviamente que quando a Selic sobe, a tendência é o mercado se retrair, mas comparado ao que vivíamos em décadas anteriores, a situação ainda é bastante vantajosa", analisa o CEO da MRV, considerando que a taxa básica de juros não deve subir o suficiente para desacelerar o setor imobiliário.
Paulo Assis, CEO da Riva, apresenta opinião semelhante: "Apesar do momento de crescimento nas taxas de juros, o grupo segue confiante na entrega de bons produtos para os clientes e bons retornos para os acionistas. Temos sentido no dia a dia que a demanda continua resiliente".
Em sintonia quanto aos impactos da elevação da Selic, Victor Bassan entende que a maior ameaça para o segmento de média renda é a inflação. Isso porque, conforme o Boletim Focus, os economistas do mercado financeiro alteraram a projeção do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) para elevação de 5,97% neste ano.
"A situação pode aumentar os preços e, se não tiver um acompanhamento de renda, haverá mais dificuldade de repasse. Todos têm que repassar o produto, seja na planta ou na entrega", finaliza o vice-presidente de Negócios da Pacaembu.
Por Daniel Caravetti