Loteadoras praticamente liquidam o estoque na pandemia

Demanda aquecida e dificuldades para lançar reduzem a oferta de lotes

20 de julho de 2021Mercado Imobiliário

Enquanto a vacinação no Brasil avança e o país ensaia uma saída da pandemia, as loteadoras seguem surfando o bom momento do setor. De acordo com pesquisa realizada pela Brain Inteligência Estratégica, em parceria com a Associação das Empresas de Loteamento e Desenvolvimento Urbano (AELO), foram vendidos mais de 22,2 mil lotes no primeiro trimestre de 2021. 

O número representa uma alta de 23% em relação ao mesmo período do ano passado e uma baixa de apenas 4% no comparativo com o último trimestre de 2020. Vale lembrar que os trimestres finais costumam ser os mais fortes em vendas no mercado imobiliário residencial.

Os baixos patamares da Selic são um dos principais vetores para a alta na demanda. Além de facilitar o crédito para quem quer comprar um terreno, construir e futuramente morar no loteamento, o retorno tímido das aplicações em renda fixa aumenta a atratividade dos lotes como modalidade de investimento. 

"Muitos produtos foram vendidos para investidores. São clientes que estavam com o dinheiro parado no banco ou em algum outro tipo de aplicação financeira, começaram a não ver retorno e decidiram investir na compra de terrenos", explica José Eduardo Ferreira, CEO da ITV Urbanismo.

Erika Matsumoto, CEO da Urba, revela que durante a pandemia se fortaleceu o desejo por morar em uma casa ou ter uma segunda residência, principalmente para as pessoas que tiveram a opção de trabalhar remotamente. Contudo, a executiva lembra que a empresa atua na faixa econômica, na qual este movimento é menos intenso. 

"Os nossos resultados estão mais relacionados à demanda reprimida. Como os loteadores normalmente preferem desenvolver produtos para a média e alta renda, o nicho econômico ainda é mal abastecido. Também é importante ressaltar que os nossos clientes compraram terrenos mesmo com a ameaça de perder o emprego na pandemia", afirma.

Inevitavelmente, a busca expressiva por lotes já tem resultado em um aumento de preços entre 15% e 20%, segundo Ricardo Telles, CEO da Perplan. De qualquer forma, o executivo recorda que estamos passando por um período de inflação geral e que, por se tratarem de produtos com pagamentos mais diluídos, o impacto negativo na capacidade de compra pode ser pequeno.

Volume de lançamentos

O aumento de preço também resulta da diminuição do número de lançamentos no setor. De acordo com a Brain, no primeiro trimestre deste ano foram lançados 8,5 mil lotes, queda de 51% em relação ao trimestre anterior e de 29% no comparativo anual.

Matsumoto indica que um dos responsáveis pela baixa nos lançamentos é o aumento "galopante" de custos da construção civil. Conforme divulgou a FGV, em junho, o Índice Nacional de Custos da Construção – M (INCC-M) atingiu alta de 14,62% no acumulado em 12 meses. "A gente não sabe até que ponto nós vamos conseguir repassar isso para o cliente final", acrescenta Telles.

Segundo Ferreira, outro problema é a demora na aprovação dos projetos, que impede o mercado de loteamentos de responder rapidamente à alta na demanda. "As aprovações não têm a mesma velocidade do aumento na procura por lotes", assegura.

Com isso, os CEOs de ITV Urbanismo, Urba e Perplan garantem que as empresas "praticamente zeraram o estoque" nos últimos meses. A situação é confirmada pela pesquisa da Brain, que ilustra a gradual baixa na oferta de lotes no gráfico abaixo.

Evolução do estoque no mercado de loteamentos. Crédito: Brain/AELO

Mesmo diante das dificuldades, as loteadoras estão trabalhando para apresentar novos projetos e desfrutar da alta na procura por terrenos. A Urba, por exemplo, lançou empreendimentos em Ribeirão Preto e Campinas neste ano, já tendo vendido integralmente o primeiro deles, segundo Matsumoto.

A Perplan planeja quatro lançamentos para este ano - dois nas cidades de Votorantim e Botucatu, em São Paulo, e outros dois nos municípios de Anápolis e Rio Verde, em Goiás. A partir de 2022, a empresa projeta "lançar entre cinco e seis empreendimentos por ano", de acordo com Telles.

Enquanto isso, a ITV Urbanismo lançou um único produto em 2021, na cidade de Candelária, no Rio Grande do Sul. Mesmo assim, Ferreira garante que a companhia tem apresentado resultados bastante satisfatórios: "Será um ano com poucos lançamentos, mas muita geração de caixa".

A boa notícia é que, segundo a Brain, o segmento conta atualmente com uma intenção de compra de 42%, sendo que 13% das pessoas já estão procurando ativamente por lotes. Além disso, dentro do mercado residencial, os loteamentos abertos são a preferência de 31%, seguido dos loteamentos fechados (24%), loteamentos em bairros planejados (14%) e apartamentos (11%).

Principais desafios

Quanto aos principais desafios do segmento na atualidade, Ferreira reforça a demora na aprovação de projetos: "O setor público não está muito preocupado com isso". Já Telles volta a alertar para o risco do aumento do custo da construção civil: "Essa é a nossa maior preocupação".

Matsumoto, porém, acredita que o mercado de loteamento também é um ramo muito negligenciado, comparado ao que entrega para a sociedade. "Desenvolvemos bairros, entregamos infraestrutura, mas ainda não há linhas de financiamento estruturadas para os loteadores e para os clientes finais", garante.

Quanto à Lei Geral de Licenciamento Ambiental, recentemente aprovada na Câmara dos Deputados, a executiva enxerga aspectos positivos e negativos. "O texto prevê uma abertura para negociações locais, mas ainda tenho dúvidas se a autonomia dada às prefeituras será benéfica".

"No geral, entendo que a mudança deve agilizar os processos. Contudo, do ponto de vista de responsabilidade ambiental, tenho receio do projeto abrir portas para oportunistas e gerar um impacto devastador no meio ambiente", complementa.

Enxergando igualmente um dualismo no projeto de lei, Telles valoriza como aspecto positivo a provável digitalização dos processos, que seria capaz de acelerar as avaliações e torná-las mais transparentes. Por outro lado, teme o aumento da insegurança jurídica nos casos de dispensa de licitação. 


Em reportagem publicada recentemente pelo GRI Club, a ITV Urbanismo se posicionou a respeito da Lei Geral de Licenciamento Ambiental, indicando que não enxerga grandes reflexos no mercado de loteamentos.

Por Daniel Caravetti