Maxi Renda: decisão da CVM vai na contramão da lei dos fundos imobiliários
Órgão regulador concedeu efeito suspensivo solicitado pelo BTG Pactual, administrador do fundo
Os últimos 50 dias foram ainda mais tensos para o mercado de fundos de investimento imobiliário (FII), após a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) questionar o Maxi Renda - maior FII em quantidade de investidores, com 500 mil - sobre o pagamento de dividendos com base no regime de caixa. Segundo o órgão regulador, a regra sempre foi o regime de competência.
O questionamento da área técnica da CVM foi acatado em votação apertada do colegiado, em 21 de dezembro, com voto decisivo do então diretor Fernando Galdi, cujo mandato acabou no final do ano. A CVM concedeu o efeito suspensivo solicitado pelo BTG Pactual, que administra o fundo Maxi Renda, determinando prazo de 15 dias úteis para a apresentação de um pedido formal de reconsideração.
Em fato relevante publicado no dia 1º de fevereiro - data em que foi concedido o efeito suspensivo -, o BTG comunicou ao mercado que apresentaria tal pedido.
Para o especialista Rodrigo Dias, sócio do escritório VBD Advogados, a decisão inicial da CVM não se sustenta do ponto de vista legal. “Se olharmos o que determina o artigo 10, parágrafo único, da Lei nº 8.668/93, verificamos claramente que o fundo é obrigado a distribuir 95% dos lucros auferidos apurados sob o regime de caixa”.
Neste sentido, continua Dias, não há embasamento legal para justificar que os fundos imobiliários poderiam distribuir menos do que determina a legislação, sob qualquer outro argumento. “Seguir a linha inicialmente adotada pela decisão mencionada permite o entendimento de que o comando do artigo 10 é mera recomendação e que, portanto, seria possível uma distribuição inferior a 95% dos lucros auferidos pelo regime de caixa”, diz.
Segundo André Freitas, CEO da Hedge Investimentos, embora a distribuição com base no regime de caixa seja explícita na referida lei, o próprio mercado tinha dúvidas e fez - mais de uma vez - pedidos de esclarecimento à CVM, o que resultou na publicação um ofício redigido pela área técnica do órgão, em 2014.
Dias entende que o Ofício Circular CVM/SIN/SNC nº 1/2014 reforça que os lucros devem ser distribuídos com base no regime de caixa. “Tanto é assim que no item 5 do referido ofício, a CVM alerta: ‘Ressaltamos que essa retenção de lucro somente é possível se não comprometer o montante de 95% da base de distribuição apurada conforme esse ofício-circular’, fazendo referência à Lei 8.668/93”.
Freitas acrescenta que em 2015 o tema foi revisado pelo colegiado da CVM após a Anbima apresentar suas dúvidas quanto ao ofício. “O colegiado, então, corroborou a visão da área técnica, e essa é a prática que nós - gestores e administradores - temos utilizado desde então, pacificada pelo ofício e depois pelo colegiado”.
Para o executivo, o erro fundamental é o revisionismo que a CVM tem adotado recentemente em relação a decisões de colegiados passados, resultando em insegurança regulatória para o mercado. Freitas defende que uma mudança no entendimento deve ser amplamente debatida com todo o setor e implementada com regras e prazos de transição, alterando, se for o caso, a lei de 1993.
Impactos na indústria
Conforme lembra o CEO da Hedge, em 2011 havia cerca de 35 mil investidores em fundos imobiliários no Brasil. Este número saltou para 100 mil em 2014 e 1,6 milhão no final do ano passado. “Ou seja, pelo menos 1,5 milhão de pessoas físicas compraram cotas de FIIs baseados em uma política de distribuição de dividendos que foi entendida pelos gestores e administradores dos fundos, validada pelos auditores ao longo dos anos e pacificada pela CVM”.
“Você não pode vir agora e dizer de uma hora para outra que precisa ter lucro contábil para distribuir dividendos, mesmo que você tenha lucro em caixa; do contrário, não precisa existir os fundos imobiliários. O que atrai o investidor pessoa física é o dividendo mensal, já que ele usa o fundo imobiliário como complemento de renda, muitas vezes pensando em sua aposentadoria”, completa Freitas.
O executivo entende que se for mantida a decisão da CVM, pelo menos 40% dos fundos imobiliários serão afetados - vale destacar que o órgão publicou um esclarecimento indicando que, embora trate de um caso específico (MXRF11), “o entendimento ali manifestado pode se aplicar aos demais fundos de investimento imobiliário que tenham características similares às do caso analisado”.
Até que haja uma resposta ao pedido de reconsideração feito pelo BTG Pactual, o mercado está em compasso de espera, segundo Freitas. “Vamos esperar o fim desse caso para realmente pensar no que fazer”.
“Se a decisão permanecer, pode haver outra situação, que é ter lucro e não ter caixa para distribuir esse lucro, ou seja, o fundo utilizar o caixa para pagar as amortizações e, no futuro, daqui a dois anos, por exemplo, ter lucro contábil e não ter caixa para pagar os dividendos”, acrescenta o especialista.
Convidado para opinar sobre o tema, o superintendente de Supervisão de Securitização da CVM, Bruno Gomes, diz que prefere “não comentar o caso concreto em andamento, uma vez que a decisão se encontra suspensa até que seja analisado eventual pedido de reconsideração pelo Colegiado da CVM”.
Por Henrique Cisman