Mercado econômico enfrenta descasamento entre custos de obra e preços de venda
Com margens apertadas, construtoras tentam encontrar saídas com fornecedores
A combinação de elevados custos de equipamentos e insumos da construção civil com a lenta recuperação do emprego e uma inflação alta tem deixado as incorporadoras do segmento residencial econômico em alerta. Enquanto aguardam novas adequações no programa Casa Verde Amarela (CVA), a tendência é que as empresas desacelerem o ritmo de lançamentos.
A MRV&Co anunciou em sua prévia operacional do terceiro trimestre que bateu o recorde histórico da companhia em lançamentos e vendas nos primeiros nove meses do ano. Por outro lado, houve um recuo de 10,2% no volume de unidades econômicas lançadas de julho a setembro, na comparação com o mesmo período de 2020. Se considerados todos os produtos, houve alta de 0,5%.
“O primeiro trimestre foi melhor. O que aconteceu recentemente foi um descasamento entre o custo da construção e as condições de compra”, aponta o CEO da MRV, Rafael Menin. Para o executivo, é importante que a tabela do CVA seja atualizada para se adequar ao momento.
“A tabela vincula a renda das famílias aos juros e ao tamanho dos subsídios. Como ela não foi atualizada nos últimos seis anos, há esse descasamento momentâneo porque o custo da construção subiu. As construtoras estão tentando repassar parte desse custo para o preço do imóvel, mas os resultados reportados já mostram margens menores”, afirma o executivo para o GRI.
Além de um INCC próximo dos 15% nos últimos 12 meses, conforme medido pela FGV, na ponta do comprador houve uma deterioração da acessibilidade para a compra da casa própria. “A demanda é praticamente ilimitada, mas como a gente tem procurado repassar parte dessa inflação ao preço, tem sido mais difícil converter para venda. Em um cenário como esse, a construtora naturalmente tem que ser mais conservadora nos lançamentos”, ratifica Menin.
A Pacaembu Construtora apresentou alta de 15,2% nos lançamentos de janeiro a setembro em relação ao mesmo período do ano passado. Segundo o co-presidente da companhia, Victor de Almeida, a última leva de unidades lançadas trouxe ajustes nos preços para fazer frente à inflação setorial e, mesmo assim, os resultados têm sido bons.
Na comparação com 2020, entretanto, há um recuo de 32% no VGV comercializado até setembro, segundo a prévia operacional do terceiro trimestre. A companhia salienta que as vendas somente são reconhecidas contabilmente após a contratação do financiamento pelo mutuário junto à Caixa.
Como os juros do Casa Verde Amarela são controlados, Almeida aponta como principais obstáculos neste momento a retomada lenta do emprego e a disparada dos custos da construção. “A gente não conseguiu repassar todos os valores de reajuste para o preço e isso afetou um pouco a margem”, afirma.
Mesmo assim, a Pacaembu pretende continuar lançando em um ritmo regular: “A gente não tem tirado o pé nos lançamentos, até porque o mercado de baixa renda é mais resiliente, a subida dos juros afeta menos. É lógico que a gente tem que ter mais cautela, lançar o produto certo no valor correto, pois é um mercado que aceita menos desaforo, mas a demanda existe”.
Com um landbank mais robusto e o incremento da operação após o IPO realizado em setembro do ano passado, a Cury Construtora e Incorporadora alcançou R$ 2 bilhões em lançamentos e também em vendas (VGV comercializado) nos primeiros nove meses de 2021, com altas de 130,6% e 107,7%, respectivamente, frente a 2020.
De acordo com o vice-presidente comercial da companhia, Leonardo Mesquita, por mais que a inflação setorial tenha sido impactante, houve também um aumento no preço dos imóveis, uma vez que o principal foco da construtora é a faixa 3 do programa Casa Verde Amarela.
“A gente apostou em alguns produtos que deram uma boa velocidade de vendas e proporcionaram um ganho de preços interessante; isso nos ajudou muito a enfrentar esse momento conturbado de inflação mais aumento de juros. São questões mais internas que de mercado”, assinala Mesquita.
Em setembro, o Ministério do Desenvolvimento Regional anunciou a ampliação do valor teto dos imóveis para enquadramento no Casa Verde Amarela. Nas capitais e regiões metropolitanas, a correção será de 10%.
Estratégias para conter custos
Para conter a subida dos preços de insumos, a Rio8 Incorporações e Empreendimentos fez uma reestruturação na engenharia dos projetos a partir de maio, quando entregou a segunda etapa de um projeto econômico. “Havia mais duas fases e uma outra obra, que iniciamos há dois meses. Naquele momento, paramos tudo e contratamos uma empresa para fazer uma reengenharia com nosso time de planejamento”, conta a CEO, Mariliza Pereira.
A executiva destaca que os departamentos de engenharia ganharam ainda mais importância no cenário atual. “O mercado não estava muito preocupado se ia conseguir, por exemplo, uma estaca mais barata. Hoje, a economia vem das soluções de engenharia. Até o momento, não sentimos qualquer diminuição dos preços dos materiais, pelo menos na ponta”.
Em um contexto de dificuldades, a CEO da Rio8 chama atenção para a falta de parceria de alguns fornecedores, que aproveitaram o momento para recompor margens e privilegiaram a venda para o mercado externo. “Tenho muita fidelidade aos parceiros, mas às vezes eles não te acompanham no ritmo que você precisa. Foi importante pensar em novas soluções, quebrar barreiras”, assinala.
A Pacaembu montou um grupo estratégico de compras e tem apostado na antecipação ou mesmo na troca de materiais, como aço por madeira. “Isso trouxe uma redução drástica no custo enquanto assistimos ao aumento do aço, e essa economia ajudou a amortizar um pouco a inflação”, afirma Almeida.
Estratégia semelhante foi adotada pela MRV, que está construindo casas de madeira, bem como tem utilizado fibra e drywall nas paredes internas dos prédios. Desde que fez o IPO, há catorze anos, a companhia tem investido no aumento da eficiência na construção. Segundo Menin, a quantidade de operários necessária para construir o equivalente a um apartamento caiu de 11 para 5 desde então.
A Cury optou por fazer compras mais robustas e de forma antecipada, principalmente nos meses de abril a julho. “O aumento no volume [de lançamentos e vendas] ajudou um pouco neste sentido, mas a verdade é que não existe milagre nessas situações, até porque a gente tem prazos para entregar”, diz Mesquita.
Expectativas para o quarto trimestre
Para o CEO da MRV, se o governo federal “tiver sensibilidade e autorizar novas regras” para o CVA, o mercado irá decolar novamente a partir do quarto trimestre.
O otimismo é compartilhado pela CEO da Rio8, que planeja lançar três empreendimentos em 2022 - lançou apenas um este ano - e chegar à cidade do Rio de Janeiro pela primeira vez. “Estou otimista porque acho que o mercado vai aquecer, até porque haverá mais dinheiro na economia, lembrando que é um ano de campanha eleitoral; isso gera emprego e é bom para quem atua com produto econômico”, destaca Mariliza Pereira.
Já a Pacaembu apresenta um “otimismo cauteloso”, segundo o co-presidente Victor de Almeida. “A demanda existe, e a desistência de novos entrantes aumenta o market share das construtoras mais bem preparadas para esse desafio”.
Por outro lado, se houver um novo repique inflacionário e a pressão das margens se mantiver, a tendência é que haja menos lançamentos e vendas. “Depende um pouco da conjuntura econômica. Se as coisas permanecerem mais ou menos estáveis, acho que as empresas vão se adequar”, encerra o executivo.
Por Henrique Cisman