Multifamily: investidor institucional consolida crescimento do modelo no país

Sucesso nos Estados Unidos e na Europa, tese de renda residencial ganha força no Brasil, mas ainda enfrenta desafios

21 de julho de 2023Mercado Imobiliário
Por Julia Ribeiro
Sob supervisão de Henrique Cisman 

Se por um lado o cenário de alta taxa de juros traz desafios para diversos setores da economia brasileira, incluindo o mercado imobiliário, também abre espaço para o crescimento da tese de locação residencial, conhecida mundialmente como multifamily, um mercado extremamente consolidado nos Estados Unidos e na Europa que agora veste a roupa da tropicalidade para atender a realidade do consumidor nacional.

O produto ainda enfrenta obstáculos por ser um mercado embrionário no país, mas se torna uma opção cada vez mais atraente para investidores institucionais diante da busca pelo aluguel, provocada especialmente pelo descolamento da renda e da capacidade de compra das famílias, além da dificuldade de acesso ao financiamento, mas também pela flexibilidade e ampla gama de serviços oferecida aos clientes.

As principais tendências, oportunidades e estratégias foram discutidas por executivos líderes do setor presentes no GRI Residencial para Renda 2023, realizado na primeira quinzena de junho com investidores institucionais, incorporadoras, gestoras de fundos imobiliários e operadores para apontar os caminhos de crescimento no Brasil.

Um dos principais investidores imobiliários globais, a Brookfield esteve presente na discussão e trouxe sua visão para o futuro do mercado no Brasil: “Esse produto é muito bem desenvolvido por nós nos Estados Unidos, onde temos 60 mil unidades. O Brasil ainda está muito longe das principais regiões do mundo em termos de residências alugadas profissionalmente, mas há um grande espaço de desenvolvimento”.
 
Source: GRI Club
 
Ativos em operação no Brasil já mostram que há demanda disponível em diversas faixas de renda, desde o altíssimo padrão às classes B e C. “Quando se vê o mapa de residências no Brasil, se juntar as duas classes [B e C], falamos em quase 50% dos domicílios no país”, comenta um executivo.

Vale ressaltar que a locação social é uma das melhores alternativas para suprir o déficit habitacional que existe no Brasil. Inclusive, a cidade de São Paulo, que tem o maior mercado imobiliário do país, acabou de revisar seu Plano Diretor prevendo a produção de HIS (Habitações de Interesse Social) em áreas bem localizadas, próximas a serviços, transporte público e infraestrutura urbana - uma das bandeiras defendidas pelo GRI Brazil Committee Multifamily & BTR.

Além dos bolsos variados, há espaço para diferentes tipos e tamanhos de apartamentos, quebrando uma ideia de que esse mercado atua exclusivamente com unidades compactas. “Em uma de nossas operações, pegamos apartamentos de 40 m² e juntamos para fazer unidades de 100 m²”, acrescenta um investidor.

Outro ponto destacado pelos executivos é a importância de manter o controle predial a fim de oferecer maior conforto aos locatários, como também ao proprietário - o próprio investidor institucional ou cotistas de fundos imobiliários. A operação é um ponto fundamental no valor agregado aos preços de aluguel. 

Esse valor pode ser atualizado naturalmente conforme o churn acontece - segundo os investidores, um baixo percentual de saída de locatários é positivo para ganhar preço nas unidades. 

“Para descolar o preço do aluguel profissional  frente ao varejo, é necessário agregar experiências. Então a gente não aluga o metro quadrado, mas experiências. Dentro dos empreendimentos tem facilidades, tem alguém cuidando dos serviços e do ESG (Environmental, Social and Governance)”, diz um executivo.

Esses serviços incluem mercado 24h, academia, locação de carros e bicicletas, lavanderias e pet-services, além de concierge e serviço de quarto, dependendo do perfil do ativo. O fitout é outro ponto importante na construção do preço e na ampliação de portfólio, principalmente voltado para a classe econômica, onde o custo na decoração da unidade não pode ser muito alto.

Esse cardápio é um dos principais atrativos do mercado residencial para renda para atender clientes em diferentes momentos da vida, mas que têm em comum a busca pela flexibilidade.

“O resultado de tudo isso é que conseguimos um aumento de 45% no aluguel em poucos meses, com 100% de ocupação”, acrescenta um investidor.

Se há demanda, o que falta?

Segundo players do setor, um dos principais desafios para a consolidação da tese é o funding, seja em linhas bancárias, seja na indústria de fundos de investimento imobiliário. Parte do problema se deve ao curto histórico do mercado no Brasil.

“Estamos rompendo a barreira inicial. Faltavam produtos e a maioria das empresas que decidiram entrar precisava construir. Se isso já demora, imaginem no Brasil e com pandemia. Agora estamos no início da operação. Esse ciclo também demora para se estabilizar e se consolidar no mercado”, comenta um investidor.

Diferente de outras classes consolidadas, como escritórios, shoppings e ativos logísticos, o residencial para renda ainda não completou o ciclo do desenvolvimento até a venda dos ativos, isto é, ainda não há exemplos da saída investimento feito.

Painel de abertura: "Consolidação do Residencial para Renda no Brasil. (Foto: Guilherme Andrade)

Diante desse desafio, a presença do investidor institucional se faz fundamental para criar um portfólio relevante, com imóveis adquiridos no preço certo, proporcionando poder de escala e sofisticação à tese. “Nos preocupamos em pagar barato. Acreditamos que a rentabilidade acontece 80% na ponta e que eventualmente vamos ter uma janela [de saída] ao se analisar o volume de entregas de empreendimentos e o movimento de queda na taxa de juros”.

Outra executiva também evidencia a necessidade de uma base de dados mais robusta para análise dos riscos. Essa precariedade de informações atinge os bancos, que são um dos principais financiadores de projetos imobiliários, mas por não entenderem a fundo o modelo multifamily, praticam taxas maiores para o produto, ainda que se trate de um ativo residencial .

“É muito difícil ter um funding de TR (taxa referencial) para construção do residencial para renda. Por isso, se tiver que escolher, faz mais sentido residencial para venda por conseguir o funding mais fácil no banco. Então acho que falta um amadurecimento do mercado na ponta do crédito, de entender e tentar desenvolver essa linha que faça mais sentido para a indústria como um todo”, afirma um player.

“A verdade é que se a empresa não tem poder de escala, não consegue boas negociações”, comenta outro participante sobre a experiência com a captação junto a bancos e mercado de capitais.

Expectativas 

A provável queda da Selic a partir do segundo semestre pode ser uma alavanca para o crescimento dos fundos imobiliários de renda residencial, trazendo também o investidor institucional, como fundos de pensão, cuja presença traz segurança para um mercado que historicamente tem a pessoa física como grande articulador na fase em que o projeto já está gerando renda. 
 
A previsão é que essa lacuna na fase de desenvolvimento comece a ser preenchida com as entregas de ativos programadas. Uma estratégia compartilhada no encontro para os FIIs de desenvolvimento é o pagamento de uma renda garantida para o cotista na fase de obra, de modo a tornar o investimento atrativo mesmo sem a renda do aluguel. 

A Vectis Gestão estruturou um fundo composto por quatro empreendimentos da Cyrela Realty, dos quais um já foi entregue e outros três seguem em produção. O fundo tem um valor patrimonial de R$256 milhões e nos últimos 12 meses entregou um dividend yield de 9,94%.

Tecnologia para escalar

O produto multifamily é embarcado de tecnologia para facilitar o processo de locação em plataformas que conectam proprietários e locatários, bem como proporcionar aos inquilinos facilidade em suas demandas. Para os proprietários, a tecnologia é uma grande aliada no ganho de escala. 

Um exemplo consolidado no mercado e presente no encontro é a Housi, uma spin-off da Vitacon criada para resolver uma demanda da própria incorporadora, que entregava seus apartamentos para pequenos investidores como uma folha em branco que precisava receber mobília para então ser disponibilizada para locação.

“Da mesma forma que os celulares avançaram, os prédios também se transformaram em plataformas e precisam ser cheios de experiências, oportunidades e vida. Atuamos em toda a cadeia do mercado imobiliário focado na geração de renda em ativos residenciais”, afirma Danny Spiewak, COO da Housi.

A empresa conta hoje com mais de 300 empreendimentos conectados à plataforma, em mais de 120 cidades brasileiras.
 
Unidade voltada para o segmento econômico operada pela Brookfield, em Contagem, MG (Foto: Divulgação/ Brookfield)

 Apartamentos da JFL Realty, voltados para um público de alta renda (Foto: Divulgação/ JFL Realty)

Assim como é mais fácil locar, o processo de desligamento da unidade também acontece de forma rápida. No entanto, é necessário um equilíbrio entre a proteção dos direitos dos locatários e a criação de condições favoráveis para o crescimento e o desenvolvimento desse mercado. 

“Do ponto de vista legal e jurídico, o que mais pega é o despejo. Aí vai muito da justiça local. São Paulo tem sido muito célere e eficiente no despejo, só que fomos refinando nosso processo de notificação de atrasos”, comenta o líder de uma operadora tech-driven.

Long x Short-stay

Quanto ao tempo de locação, é importante considerar a necessidade de amenidades mínimas ao se discutir sobre moradia de longa permanência em espaços compactos. Embora seja fundamental oferecer um ambiente adequado para os moradores com comodidades como coworking, academia, áreas de lazer e outras facilidades, há casos em que a localização é imperativa, especialmente no contexto de rendas mais baixas.

O valor acessível por metro quadrado é outro fator-chave para atrair e manter os moradores. Esse caso em específico ilustra a importância de abordar a habitação social de forma ampla, reconhecendo a diversidade de necessidades e preferências dos moradores.

Na outra ponta de renda, ativos de luxo devem oferecer uma ampla gama de serviços, além da localização premium, mirando na flexibilidade e no conforto buscado pelo consumidor de alto poder aquisitivo. 

Painel de abertura: "Consolidação do Residencial para Renda no Brasil". (Foto: Guilherme Andrade)

Retrofit - Há espaço?

Neste ponto, há quem discorde e quem aposte como uma oportunidade para o futuro, com o mercado para renda mais consolidado.

“Observamos o mercado de retrofit com cautela, pois é um setor muito cíclico. Infelizmente, no momento em que surgem essas oportunidades muitas vezes não conseguimos captar os recursos”, comenta um executivo.

“Acredito que os fundos de investimento imobiliário (FIIs) não sejam o veículo ideal para aproveitar essas oportunidades. O retorno nesse tipo de investimento é completamente diferente, e é um desafio convencer investidores a apostarem em retrofits, considerando os riscos envolvidos, como aprovação de projetos e mudança de uso. Convencer pessoas físicas a investirem em imóveis prontos para gerar renda já é difícil, imagine convencê-las a investir em fundos desse tipo”, reitera outro gestor de FII.

“Acredito que há um caminho. Hoje, os fundos são muito pequenos para isso, mas a partir do momento em que tiverem R$ 1 bilhão, usar R$ 50 milhões para retrofit é factível. Não estamos nesse momento ainda, mas vai chegar”, finaliza um executivo. 
 
O mercado imobiliário residencial para renda está na pauta do Brazil GRI 2023
 
Brazil GRI 2023