Reforma do IR aprovada na Câmara tem efeitos graves na atividade imobiliária
Tributação de dividendos em 15% afeta estruturas como a SCP
Aprovado na Câmara dos Deputados no início do mês, o Projeto de Lei 2.337/2021, segunda etapa da reforma tributária fatiada pelo governo federal, pode ter efeitos devastadores sobre a economia, segundo especialistas. No mercado imobiliário, as novas regras do imposto de renda - com a retenção do IR na fonte quando há distribuição de dividendos - devem bagunçar as estruturas e prejudicar os investimentos.
“As estruturas de quase todas as operações de investimento imobiliário são feitas em sociedades, muitas vezes com propósito específico. Quando começa a tributar dividendo e não dá a contrapartida na tributação da pessoa jurídica, a reforma praticamente só está onerando o negócio mais do que antes”, avalia José Paulo Marzagão, sócio do Tauil & Chequer Advogados associado a Mayer Brown.
Também sócio do escritório, o especialista tributário Celso Grisi diz que a ideia - mal executada até aqui - era fazer uma reforma parecida com a realizada nos Estados Unidos durante a gestão do ex-presidente Donald Trump. “Ela fez a economia americana ir bem durante um período, forçando o reinvestimento dos lucros acumulados pelas companhias, sem a distribuição dos dividendos”, explica.
Para Rodrigo Dias, presidente do Comitê de Direito Tributário do Ibradim (Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário) e sócio do escritório VBD Advogados, a reforma do IR tende a ser prejudicial para o setor, com um aumento de carga para os investidores mesmo nos empreendimentos incluídos no regime especial de tributação (RET), conforme explicação a seguir.
“O RET não vai ser alterado, manterá a tributação da receita em 4%. Porém, quando o lucro for distribuído para fora do grupo, terá mais 15% de imposto. Supondo que esse lucro seja 20% da receita bruta, ao colocar 15% sobre 20%, estamos falando de 3% a mais de tributação”, exemplifica Dias.
Ainda segundo o especialista, a análise mais correta deve considerar as estruturas específicas de cada empresa, mas, de modo geral, a reforma do IR aprovada na Câmara, na melhor das hipóteses, é neutra, no caso de companhias que costumam reinvestir os lucros, uma vez que boa parte das incorporadoras opta pelo RET, o qual não sofreu ajuste nenhum.
No cenário atual, uma das estruturas mais penalizadas pela reforma é a Sociedade em Conta de Participação (SCP), comumente adotada por desenvolvedores imobiliários de todos os portes, inclusive loteadoras. “O investidor da SCP recebe o retorno do investimento através de dividendos, que até então eram isentos”, afirma Grisi. Agora, também serão tributados em 15%.
As reduções das alíquotas do IRPJ - de 15% para 8% - e da CSLL - de 9% para 8% - são consideradas insuficientes para anular o efeito negativo da tributação dos dividendos. “A gente não paga alíquota de imposto, a gente paga imposto. Tem que olhar o todo para avaliar se teve ou não redução. Se é uma atividade que precisa entregar dividendos para o investidor, haverá aumento da carga”, pontua Dias.
Ajustes societários e efeito nos preços
A tributação dos dividendos pagos às pessoas físicas pode gerar uma desorganização das estruturas societárias, fomentando a criação de holdings por grandes investidores, uma vez que a taxação intragrupo foi removida do PL 2.337.
“Essa reforma vai resultar na pejotização de muitos empresários. Se a reforma trabalhista diz que é possível terceirizar a atividade-fim, o empresário vai emitir nota fiscal e colocar tudo dentro do CNPJ”, diz Grisi. Em raciocínio parecido, Dias assinala que deverá haver reestruturações a fim de evitar o impacto tributário decorrente do PL 2.337.
“Se a holding tiver mais de 10% de participação, não haverá retenção nos dividendos distribuídos de PJ para PJ. Se for menos de 10%, terá retenção, mas há exceções, por exemplo, se a atividade for a incorporação e estiver submetida ao RET com tributação das receitas superior a 90% dentro do regime”, explica Dias.
Para Marzagão, o resultado da reforma no mercado imobiliário será o aumento dos preços: “O investidor passivo vai ser tributado com uma carga muito maior do que existe hoje, então provavelmente vai exigir um retorno diferenciado, que naturalmente vai resultar em um preço diferenciado”.
A preocupação é compartilhada por Dias: “O mercado imobiliário absorve aumento de preço até um determinado ponto. Discute-se transferir o aumento da carga para o consumidor, mas qual consumidor? Ele precisa ter condições de comprar, senão, não adianta. No fim do dia, a reforma pode resultar em diminuição da atividade porque algumas operações não farão mais sentido e haverá menos gente para comprar”, acrescenta o especialista.
O sócio do VBD Advogados ainda alerta para uma possível competição desleal com títulos emitidos pelo governo e até com os fundos imobiliários, cuja distribuição de dividendos permanece isenta. No primeiro caso, existe a previsão de um rendimento de 8% a 10% ao ano, tributado em 15%, sem risco nenhum, aponta Dias. Ou, então, já que o investimento no setor via FII não é tributado, não faz mais sentido, de qualquer forma, participar diretamente dos empreendimentos.
“Se for olhar a ponta final, se fizer uma comparação sempre olhando a conta final da pessoa física e o exercício daquela ocupação, isto é, a liquidação daquele investimento, tem um aumento de carga. A conta é simples: antes, tinha 34% de tributação, agora vai ter 26% (8% de IRPJ, 8% de CSLL e 10% para ganhos acima de R$ 20 mil) + 15% [tributação de dividendos], que é maior do que 34%, tão simples quanto”, ratifica.
Expectativa no Senado
“Tratorada na Câmara”, conforme avalia Celso Grisi, a reforma do IR deve ser analisada com mais cautela pelos senadores. “Acho que o Senado vai desempenhar o papel de um poder moderador e talvez tente englobar as reformas, como a de PIS e Cofins, eliminar o IPI, unificar o ICMS, e fazer com que elas andem juntas, de modo que seja palatável para a sociedade civil”.
“A minha esperança é que, efetivamente, tendo em vista toda a fraqueza do governo, ela seja deixada de lado, pois ela vai causar um mal ao país que nós vamos levar muito tempo para superar”, assinala Marzagão, para quem o problema é a falta de uma visão sistêmica da questão, tentando tropicalizar a proposta norte-americana sem analisar as peculiaridades brasileiras.
Segundo Dias, o setor está organizado para mostrar aos parlamentares os efeitos negativos da proposta. Com pouco sucesso nas conversas com a Câmara, a expectativa é que as contribuições sejam consideradas, de fato, pelos senadores. “O Brasil não tem espaço para perder qualquer empresa, seja ela pequena, média ou grande”, encerra.
Por Henrique Cisman