Reforma tributária trará avanços ou retrocessos para o setor imobiliário?
Relatório preliminar trouxe mudanças em relação ao texto original
A proposta da segunda fase da reforma tributária tem como objetivo ajustar a tabela de Imposto de Renda das pessoas físicas e recriar a tributação sobre distribuição de dividendos, diminuindo os encargos sobre as empresas e, por consequência, incentivando o investimento produtivo.
Contudo, o primeiro texto do PL 2337/2021 apresentado pelo governo preocupou quase a totalidade do setor produtivo, incluindo o mercado imobiliário. "Talvez esse tenha sido o projeto com a maior convergência de opinião da iniciativa privada no sentido de refutá-lo por completo. O próprio ministro Paulo Guedes admitiu que o texto original apresentado avançou o sinal”, afirma Rodrigo Dias, sócio do VBD Advogados.
"O texto procurava reduzir os tributos para o trabalhador, mas também iria diminuir as oportunidades de emprego para ele", acrescenta Mariana Senna Sant’Anna, head Jurídico e Corporativo da Even.
Ely Wertheim, diretor da Luciano Wertheim Empreendimentos Imobiliários e do Secovi/SP, ressalta ainda que a reforma tributária deveria ser proposta apenas depois da reforma administrativa: "É preferível reduzir as despesas com o funcionalismo público antes de elevar a carga tributária".
Diante da oposição generalizada do setor privado, o Ministro Paulo Guedes, a equipe da Receita Federal e o relator do Projeto de Lei 2337 na Câmara, deputado Celso Sabino, promoveram uma série de mudanças na proposta.
“A disponibilidade e o esforço que o relator e a equipe econômica têm feito é louvável. Eles estão trabalhando incessantemente para ouvir os setores da economia e entender os impactos negativos que podem ser gerados, mas precisamos saber se as conversas realmente serão levadas ao novo texto do projeto pelo relator”, ressalta Dias.
No draft de texto que foi disponibilizado por Sabino após reunião de líderes da Câmara, apenas uma parte das reivindicações do mercado imobiliário foi atendida. Isso porque, segundo os especialistas ouvidos, há impactos negativos que seguem presentes no texto.
Qual será a proposta final?
Ainda não há certeza e segurança do que entra ou sai do texto que será apresentado pelo relator, mas é possível fazer uma análise em razão da proposta de texto apresentada e com base nas declarações já realizadas pela equipe econômica do governo federal.
O que deve sair?
Uma das mudanças propostas é que os rendimentos de fundos de investimentos imobiliários (FII) continuarão isentos de impostos para pessoas físicas. A proposta original previa taxar os ganhos a uma alíquota de 15%, mesmo percentual que o mercado iria encolher, de acordo com outros analistas.
Segundo Dias, as alterações propostas resolveriam em parte a questão da distribuição de dividendos das Sociedades de Propósito Específico (SPE) para as holdings. As operações, que antes seriam taxadas em 20%, voltariam a ser isentas, com exceção das empresas coligadas. "A tributação das coligadas segue sendo um problema, já que o setor imobiliário muitas vezes atua com parcerias neste formato", diz o advogado.
Vale lembrar que, por exigência do mercado de crédito e dos próprios consumidores, as incorporadoras constituem sociedades específicas para cada empreendimento, sendo geralmente tributadas pelo lucro presumido ou regime especial do patrimônio afetado (RET).
Em caso de aprovação do texto original, seria tributado também o resultado financeiro do empreendimento, uma vez que as incorporadoras têm que "devolver o investimento feito pelas holdings", esclarece Wertheim. Para o executivo, o quadro traria ineficácia para a estrutura empresarial e poderia inviabilizar muitos novos projetos imobiliários.
"No fim do dia, quem paga o preço é sempre o consumidor final. Entretanto, o aumento no valor dos imóveis seria de tal magnitude que eu acredito que as vendas seriam simplesmente brecadas e o desemprego no setor iria crescer. A renda das pessoas não suportaria a correção", analisa Wertheim.
Fora isso, não há mais a intenção de vedar a opção pelo lucro presumido a empresas que têm como objeto social o aluguel ou a compra e venda de imóveis, o que as obrigaria à tributação pelo lucro real. Se somado à possível aprovação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), haveria um aumento de carga tributária superior a 100% para as empresas do setor, segundo Dias.
Em hipótese de aprovação, Wertheim entende que o dispositivo inviabilizaria o investimento em imóveis para renda, afetando a atuação de shopping centers, lajes corporativas e galpões logísticos, por exemplo. Com igual carga tributária, a atividade de loteamentos também teria sua configuração colocada em cheque, diferentemente da incorporação, que já havia sido dispensada da medida.
"O incremento substancial da carga tributária, por si só, já seria um verdadeiro desastre para estes segmentos. Todavia, é importante ressaltar que as despesas com contabilidade também cresceriam porque o lucro real é mais complexo de se calcular", assegura o diretor do Secovi/SP.
Dias lembra ainda que o conceito de imóvel como serviço vem crescendo no mundo todo e administradoras que exploram o mercado residencial de aluguel também seriam afetadas. "A medida atrapalharia a consolidação de um negócio que atende a uma mudança cultural. A atividade de locação, que é comum para pessoas físicas, não seria profissionalizada", aponta.
SCP
A mudança na tributação das Sociedades em Conta de Participação (SCP) configurava uma ameaça de desinvestimento para o mercado imobiliário, uma vez que o instrumento é utilizado rotineiramente para a viabilização de parcerias e aplicações financeiras no setor. Segundo Dias, a obrigatoriedade para a SCP optar pelo mesmo regime fiscal do sócio ostensivo foi excluída no substitutivo.
"Nas operações envolvendo SCP, as incorporadoras são tributadas normalmente pela atividade, mas o investidor tem benefícios. Porém, esse dispositivo iria reduzir a rentabilidade e desincentivar a aplicação de recursos no setor imobiliário do Brasil, que já conta com diversos outros riscos", garante a head Jurídico e Corporativo da Even, Mariana Senna Sant’Anna.
A executiva enaltece ainda que, da maneira como foi redigida a proposta original, existe a possibilidade de retroatividade da lei. Ou seja, "investimentos que já haviam sido feitos via SCP, com expectativa de determinado retorno, poderiam ter sua rentabilidade reduzida após a venda das unidades em função do novo regime tributário", explica.
Nesta quarta-feira (28), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, indicou que o Projeto de Lei de Reforma Tributária que trata do Imposto de Renda deve ser debatido pelo plenário na primeira semana de agosto, após o recesso.
Por Daniel Caravetti