"Regime específico para bens imóveis não está fechado", afirma Bernard Appy
Secretário Extraordinário da Reforma Tributária garante simplificação e transição suave para empresas no novo modelo
Por Henrique Cisman
O secretário extraordinário da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda, Bernard Appy, se reuniu com membros do GRI Club que investem no mercado imobiliário, no início do mês, para dar mais detalhes da reforma e ouvir sugestões do setor. O encontro foi realizado no escritório do Veirano Advogados, com moderação do sócio, Raphael Espírito Santo, e contribuições de Juliana Baldin, managing director do GTIS Partners, além de outro sócio do Veirano, Marco Monteiro.
A primeira parte da reunião tratou especificamente da reforma da tributação sobre o consumo (PEC 45/2019), atualmente em tramitação no Senado. Segundo Appy, os objetivos principais são a simplificação e o menor número de exceções.
"Na tributação do consumo, o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) é o sistema neutro mais simples que existe, por isso é o padrão internacional. A reforma tributária consiste em tentar trazer esse sistema para cá, substituindo cinco tributos super complexos", afirma.
Bernard Appy, Secretário Extraordinário da Reforma Tributária foi o convidado especial do debate
(Imagem: Mario Miranda/GRI Club)
Ele se refere ao PIS e Cofins, que serão unificados no IVA Federal, chamado CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços), ao ICMS e ISS, que serão unificados no IVA Estadual, chamado IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), e ao IPI, que deverá ser seletivo e incidir sobre bens e serviços prejudiciais à saúde, ao meio ambiente e outros, nos termos da lei.
Appy destaca que todos os tributos recolhidos durante a produção podem ser recuperados, e a tributação será no destino (consumo). A transição dos tributos federais é prevista para ocorrer em 2027, exceto na Zona Franca de Manaus, em 2033. Já nos Estados e Municípios, o prazo é de 2029 a 2033. "A complexidade para as empresas será muito menor, isso reduz espaço para litígio e esperamos que reduza custos".
A autoridade do Ministério da Fazenda dá um exemplo do impacto das distorções tributárias atuais no mercado imobiliário ao comparar a tributação que incide sobre um prédio feito em concreto armado em relação a outro que é pré-fabricado: "Hoje, a tributação é muito mais cara no pré-fabricado, e isso gera perda de produtividade".
Segundo Appy, a correção dessas distorções pode aumentar em até 20 pontos percentuais o PIB do Brasil - o Ministério estima um crescimento de 10-12% no horizonte entre 10 e 15 anos após a reforma. "Tem que olhar o impacto setorial, mas mais importante é olhar para o impacto no PIB como um todo, e como isso afeta indiretamente o seu mercado. O efeito é no longo prazo".
Regime específico para o mercado imobiliário
O secretário defende que haja o mínimo de exceções possível - "o ideal é que não houvesse qualquer exceção", mas reconhece que há regimes específicos por motivos técnicos e outros por razões políticas.
Ele diz que o desenho do regime específico para bens imóveis não está fechado, mas que a PEC prevê recuperação total dos créditos tributários nas incorporações imobiliárias, justamente para solucionar a distorção já mencionada.
Appy garante que "a primeira venda do imóvel vai ter tributação reduzida, como já existe hoje com o RET (regime especial de tributação)", mas haverá alguns ajustes. Já a venda no mercado secundário entre pessoas físicas não será tributada.
Em relação aos imóveis comerciais, o secretário afirma que está conversando com associações e empresas do setor, e que a transição não será traumática para quem já opera hoje: "Vamos chamar o mercado quando formos definir a lei complementar".
Também há um compromisso de que não haja dupla incidência do ITBI, talvez excluindo o valor do terreno da base de cálculo. "São coisas que estão sendo consideradas, mas nada definido ainda".
O lucro presumido está na mira da equipe técnica da reforma tributária, pois também gera distorções ao favorecer empresas com alta margem de lucro vis a vis empresas com baixa margem de lucro optantes do regime, segundo Appy.
O fato é que o Ministério da Fazenda não espera arrecadar menos do que arrecada atualmente do setor: "Tributar menos de um setor significa tributar mais de outro", afirma Appy. O ganho, portanto, viria na eficiência e produtividade, o que se traduz em redução de custo na ponta - vide o exemplo do desestímulo à inovação construtiva devido à distorção tributária que existe hoje.
Reunião aconteceu na sede da Veirano Advogados, em São Paulo (Imagem: Mario Miranda/GRI Club)
Questionado sobre os incentivos fiscais municipais, como é o caso de Extrema/MG, o secretário diz que eles estão inseridos na transição prevista entre 2029 e 2033, conforme previsto na Lei Complementar 160/2017.
Se por um lado os incentivos fiscais levam investimentos a Estados e Municípios, a disparidade tributária pode ser prejudicial ao país - são milhares de caminhões levando diariamente produtos a esses locais apenas devido ao benefício fiscal, ainda que a produção seja em outra cidade.
Conclusão da reforma no consumo e início da reforma na renda
A expectativa do governo federal é que a reforma da tributação sobre o consumo seja aprovada na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado em meados de outubro, e que o plenário vote a matéria no início de novembro, no máximo. Como devem haver alterações no texto, a matéria voltará à Câmara, e uma nova votação é esperada para dezembro.
"A ideia é mandar o projeto de lei complementar em fevereiro de 2024. Possivelmente, vamos colocar em audiência pública, chamar Estados e Municípios para discutir", afirma Bernard Appy.
Sobre a reforma da renda, inicialmente a expectativa é que a primeira parte seja aprovada ainda em 2024, e o restante após a aprovação da reforma do consumo.
Ela é um dos pontos de maior discussão entre governo e mercado imobiliário, no que tange à taxação dos dividendos distribuídos por fundos imobiliários. No fim de agosto, o Poder Executivo publicou a medida provisória 1.184, que altera uma das regras para a isenção dos tributos sobre FIIs, aumentando o número mínimo de cotistas de 50 para 500. Na prática, a medida afeta pelo menos 132 fundos de investimento imobiliário.
Questionado, Appy defende que, idealmente, a regra deveria ser a mesma para todos. "A renda de aluguel na pessoa física come 27% como IR. Uma empresa paga de 11,2% a 14% do aluguel. Aí o fundo imobiliário paga zero. Está certo isso? Esse é o modelo?".
No caso específico da MP, tenta-se eliminar um suposto mau uso dos fundos imobiliários para fins de gestão do patrimônio familiar - justamente devido às isenções tributárias.
Executivos presentes alertam que a medida pode gerar uma concentração de mercado: "Gestoras com menos capilaridade não conseguiriam colocar seus fundos em pé por não alcançar 500 cotistas, e teriam que se financiar de outra maneira", afirma um gestor.
"Há muitos anos atuando nesse mercado, não vejo situações como a mencionada, de abuso. Não é a realidade do mercado. Entendo que os FIIs realmente trouxeram um desenvolvimento muito grande para o setor, com gestores profissionais, diversificação e democratização do investimento", acrescenta outro player.
"O mercado de fundos imobiliários não chegou aonde chegou com essa prática de famílias [afortunadas] transferindo seu patrimônio. Os FIIs buscam recursos para viabilizar empreendimentos, e subir o mínimo para 500 cotistas inviabiliza fundos de desenvolvimento. Isso vai limitar demais o mercado imobiliário, e vai restringir a distribuição aos grandes bancos. Não faz sentido", argumenta outro participante.
"O fim escuso é exceção da exceção da exceção. Estamos mirando uma coisa e atingindo algo muito maior", encerra um gestor.