Yuca e Mora Rocks apostam no residencial para renda econômico
Em paralelo, Ministério do Desenvolvimento Regional busca viabilizar aluguel social
O interesse das incorporadoras pela locação residencial cresceu no decorrer dos últimos anos, mas ainda predominam os imóveis direcionados para o público de alta renda, principalmente investidores.
Na contramão dessa tendência, algumas empresas do setor buscam viabilizar moradias mais acessíveis em endereços nobres de São Paulo, movimento que pode ser o ponto de partida para uma expansão do modelo a outras cidades brasileiras.
“São Paulo tem ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social) até na Faria Lima, Vila Olímpia e Barra Funda, regiões super conectadas à malha de transportes da cidade, que podem entregar moradia formal de muita qualidade para famílias que hoje vivem em habitações precárias”, afirma o co-fundador da Yuca, Rafael Steinbruch.
A startup vem estudando modelos de locação econômica e pretende incorporar projetos no Centro expandido da capital paulista. Cálculos iniciais indicam que a conta fecha em algumas localidades, com retornos de 7% a 8% ao ano.
Neste sentido, um dos pilares do novo programa habitacional Casa Verde e Amarela, o aluguel social pode acelerar o processo: “A gente estuda o modelo independentemente do apoio de governos, mas o programa pode ser um grande catalisador e, com certeza, queremos fazer parte”, indica o executivo.
Já a Mora Rocks não enxerga possibilidades no momento para se enquadrar na faixa de renda do aluguel social - comprometer até 30% da renda para o limite de três salários mínimos -, mas assim como a Yuca, aposta que é viável desenvolver moradia de qualidade a preços acessíveis em boas localizações.
“Um dos problemas na cadeia de valor do aluguel é que muitas vezes os apartamentos são vendidos para o investidor pessoa física, então há vários intermediários na transação e isso gera uma série de custos extras”, afirma o sócio-fundador da Mora, Arthur Norgren.
Além de verticalizar o desenvolvimento, a startup abre mão da rentabilidade no curto prazo para uma proposta de relacionamento duradoura com os inquilinos. “Se a gente vendesse os imóveis, inegavelmente ganharíamos mais dinheiro, mas esse não é o nosso propósito”, acrescenta Norgren.
O alinhamento com o usuário final dentro de uma realidade mais econômica, porém, requer a redução de custos considerados supérfluos, como instalações de luxo e áreas pouco utilizadas: “São coisas que ajudam a vender o apartamento, mas que não agregam tanto valor para o nosso público”, acrescenta o executivo.
A Mora já tem projetos em Pinheiros, Vila Madalena, Perdizes e, mais recentemente, Itaim, com planos para expandir a outras localidades: “A gente optou por começar em São Paulo por conhecer razoavelmente bem a cidade e as necessidades dela, mas no futuro queremos estar em outros lugares”, diz Norgren.
“Falando de São Paulo, hoje a gente quer estar nos bairros onde há bom adensamento, grande oferta de serviços e emprego. A gente sempre busca minimizar o deslocamento das pessoas, então a ideia é trazê-las para morar perto do trabalho”, ratifica.
Qual é o melhor modelo?
Atenta aos estudos do Ministério do Desenvolvimento Regional, a Yuca enxerga que a criação de um voucher destinado exclusivamente para a despesa com aluguel é a melhor dinâmica para o funcionamento do programa.
Outra alternativa vista pela empresa seria designar os empreendimentos de locação social, de modo que o governo efetuasse o pagamento diretamente aos proprietários, determinando, porém, quais famílias habitariam os imóveis.
“Eu prefiro o primeiro modelo porque dá mais autonomia para as pessoas escolherem onde querem morar. A família pode precisar de uma ajuda, mas não que o governo pague integralmente o valor do aluguel, e assim pode buscar um apartamento de melhor qualidade”, aponta Steinbruch.
Na outra ponta, os proprietários também teriam mais autonomia para definir o perfil dos inquilinos que gostariam de receber no empreendimento. “Espero que o programa venha em um formato adequado para ser um catalisador da habitação social para renda no Brasil”, completa o co-fundador da Yuca.
Segundo o secretário nacional de Habitação, Alfredo Eduardo dos Santos, o desenho do programa deve focar no apoio a iniciativas locais, geridas por Estados ou Municípios, nas quais a União entra com o apoio técnico e normativo para estruturação e, se necessário, com apoio financeiro no investimento inicial.
Neste sentido, são três as modalidades possíveis, segundo a SNH: construção de unidades voltadas exclusivamente à locação social, estruturação de parceria público-privada (PPP) com essa mesma finalidade, ou subsídio ao pagamento de voucher voltado exclusivamente ao pagamento do aluguel em preços econômicos, opção apontada pela Yuca.
No momento, a Secretaria Nacional de Habitação desenvolve junto com o Ministério da Economia estudos para implementar dois projetos-piloto de parceria público-privada para testar o modelo. A estruturação foi qualificada no PPI e formalizada via Decreto nº 10.678, em abril.
De acordo com Santos, espera-se que a contratação dos estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental (EVTEA) ocorra até o final do ano e que as licitações sejam concluídas no segundo semestre de 2022.
O principal desafio, segundo a SNH, é a complexidade técnica do programa, que exige um tempo de maturação elevado até a normatização, sendo necessário, inclusive, compatibilizar as legislações locais aos requisitos de uma PPP.
“Para além desse fator, um histórico ainda pequeno em número de iniciativas e escala das mesmas exige maior atenção quanto aos aspectos orçamentários, normativos e operacionais dos desenhos pretendidos à consecução da política”, acrescenta o secretário nacional de Habitação.
Mercado incipiente e oportunidades
Para Norgren, o setor imobiliário no Brasil amadureceu bastante nos últimos dois anos, não apenas no conceito residencial para renda, como também em relação aos fundos imobiliários, às opções de financiamento e capitalização. Mesmo assim, o mercado de locação ainda é pouco profissional, segundo o executivo.
“Tenho certeza que é um setor que vai se desenvolver muito com produtos de vários nichos, e apesar dos problemas de curto prazo, como crise política e curva de juros longa, acho que as coisas vão se normalizar e o resultado é que haverá produtos melhores para o consumidor final”, diz.
A Yuca enxerga que o modelo é totalmente replicável para cidades menores, principalmente se houver a participação do governo federal no pagamento de vouchers, que fora de São Paulo, a depender do valor, serão suficientes para o custeio integral da moradia.
“Não precisa ser um edifício verticalizado, necessariamente. Pode ser um loteamento. A nossa missão é transformar a cidade através da moradia e só se transforma uma cidade se houver produto para todo tipo de habitante”, afirma Steinbruch.
“Nossa ideia é captar um fundo de investimento imobiliário ESG para esse tipo de produto. Existe a possibilidade de fazer isso sem apoio do poder público, mas qualquer iniciativa que venha a catalisar essa transformação e traga mais segurança, vamos tentar aproveitar”, encerra.
Por Henrique Cisman