Infraestrutura na América Latina: originação de projetos

Última reportagem desta série do GRI Hub aborda desafios da etapa embrionária das parcerias com a iniciativa privada.

1 de abril de 2019Infraestrutura

Questões como mudanças políticas, marco regulatório e transparência são consideradas altamente relevantes para o estabelecimento e o sucesso de parcerias sólidas entre a esfera pública e a iniciativa privada no setor de infraestrutura latino-americano. Porém, o verdadeiro calcanhar de Aquiles para maiores avanços pode estar numa etapa embrionária, muito antes de consultas públicas, licitação, construção ou operação, ou seja, na chamada originação de projetos.

A última reportagem da série 'Infraestrutura na América Latina' do GRI Hub, que ouviu reconhecidos especialistas e players do mercado, aborda a fase preliminar das ações de desestatização, considerada prioritária e o principal desafio da região para destravar negociações e alavancar movimentos de expansão. 

"De forma geral, a principal fragilidade da América Latina para atrair investimentos privados é a lentidão dos projetos. Desde a estruturação até o plano de construção, há um prazo importante, defasado pelos períodos presidenciais", opina Federico Villalobos, sócio de Assessoria Financeira e Infraestrutura da Deloitte Costa Rica. 

Especialista em PPPs e com participação em projetos importantes na América Central junto à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Villalobos afirma que o primeiro passo, crucial para o melhor planejamento do setor, é uma mudança de paradigma na administração pública. "Hoje, uma gestão é avaliada positiva ou negativamente pelo número de suas inaugurações. Há uma visão de curto prazo."

"Outro grande desafio é não dar a devida atenção à fase inicial dos projetos – os períodos preparatórios e de estudos preliminares. Sem um estudo sólido, um projeto não será interessante para os investidores", continua o executivo da Deloitte. 

Maior participação privada

Bernardo Serafim, líder de Desenvolvimento da Vinci Concessions para a América Latina e managing director do grupo para a Colômbia, por sua vez, defende uma maior atuação das companhias nesse estágio. "Atualmente, a participação da iniciativa privada ocorre tardiamente. Ainda não são usados os recursos necessários na estruturação, o que ocasiona atrasos e problemas na originação. O ideal seria que o setor privado pudesse contribuir nessa fase."

"Essa colaboração, junto à alocação de riscos, replicando as melhores práticas de outros países, de outros governos, tirando o papel político e impondo maior rigor técnico, com transparência e customização dentro do contexto local, é importante", considera Serafim. 

Questionado sobre o que seria fundamental nesse processo e quais os direcionamentos possíveis, o executivo da Vinci Concessions ressalta que "é preciso reduzir a distância entre o público e o privado, sempre dentro do espírito contratual e de transparência. É relevante que uma parceria não comece depois da estruturação ou da oferta, mas no passo anterior, de forma antecipada, o que permitirá que os projetos sejam mais sólidos. Esse é o ponto principal".

Não obstante, Villalobos pondera que tal apoio só é possível se os Estados apresentarem capacidade técnica de análise. "Em alguns casos, esse tipo de parceria não foi adiante porque os Estados não tiveram capacidade e conhecimento técnico para avaliar a proposta. Poderiam aprovar um projeto muito ruim ou rechaçar um muito bom. Vimos uma demora nessa avaliação e empresas perdendo o interesse", alerta.

A melhor solução na visão de Villalobos é recorrer a organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o BID. "Por falta de capacidade, esse é o caminho típico, mas também é essencial que os governos tenham suas próprias estruturas, que possam apresentar projetos bem executados, o que é bom para todas as partes."

Capacitação de ambos os lados

"Um projeto é algo muito mais abrangente do que um plano de obras e de engenharia. Uma estruturação na forma de non-recourse finance [por exemplo] tem alguns blocos componentes, tais como instrumentos de seguro e demanda, pontos que precisam ser muito bem analisados", alega, por sua parte, Joísa Dutra,  diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura (FGV/Ceri) e ex-titular da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). 

Nessa conjuntura, ela observa que também o setor privado precisa estar mais preparado. "Algumas das indústrias que ofertam esses componentes, a exemplo de seguros ou mecanismos para canalizar recursos de investidores institucionais, ainda não apresentam uma arquitetura complementamente adequada à viabilização."

Estudos acurados 

Para Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Logística, Supply Chain e Infraestrutura da Fundação Dom Cabral (FDC), outro fator imprescindível é a realização de estudos rigorosos. "É preciso trabalhar e explicar melhor os projetos, principalmente em termos de demanda. Temos que evitar a armadilha da necessidade de justificar a demanda de um projeto. Se não há demanda, retira-se [o projeto do portfólio]. Não há nada pior para o investidor do que ser enganado nesse quesito."

No Brasil, casos como o do Aeroporto de Viracopos levantaram dúvidas sobre essa capacidade. Em julho de 2018, a concessionária que arrematou a operação do terminal localizado na cidade de Campinas (SP) entrou com pedido de recuperação judicial, flexibilização do passivo e aumento do prazo para garantir a operação. Entre os argumentos da companhia para justificar a crise, foi apontada a baixa demanda de passageiros e de carga, aquém do número que havia sido definido pelo governo federal antes da concessão. 

Perspectiva positiva

Apesar de a América Latina ainda estar longe do esperado, os especialistas ouvidos pelo GRI Hub reiteram que há oportunidades e veem progressos nas principais economias. Programas como o brasileiro PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), o chileno de Concessões e o peruano Proinversión são considerados peças-chave em direção a estruturas consistentes, modelagens melhores e visão de longo prazo. 

"Sem dúvida, [programas como o Proinversión e o PPI] são muito interessantes, assim como as agências que se encarregam de levar os projetos ao mercado, caso da colombiana ANI [Agência Nacional de Infraestrutura]", continua Villalobos. 

Para ele, entre as nações latinas que progridem com políticas de Estado, o Chile e a Colômbia são dois dos destaques. "A ANI é um exemplo claro de como fortalecer a institucionalidade, assim como [o programa do] Chile. Outra iniciativa interessante é o Fundo do Milênio, dos Estados Unidos, que aportou muito aos governos centro-americanos, fortalecendo as suas capacidades técnicas. Esse é o caminho – criar equipes sólidas dedicadas ao setor [de infraestrutura]."

Todavia, Villalobos adverte para a necessidade de Estados com mercados menores realizarem ações conjuntas. "A América Latina tem um enorme potencial e há países que, por suas dimensões, possuem capacidade de se posicionarem como destino de investimentos, como o Brasil. Contudo, economias menores, por serem muito pequenas, enfrentam um desafio adicional", analisa.

Diante de tal questão, ele aponta que uma solução seria a oferta conjunta. "Sozinhos, países como Guatemala, Costa Rica e Panamá não são atrativos; mas quando falamos de uma região como a América Central, temos uma área maior do que o território do Peru ou da Colômbia, ou seja, esse tipo de aliança dá competitividade aos pequenos."

A mesma visão de integração é compartilhada por Joísa Dutra. Ao avaliar especificamente o território brasileiro, ela também argumenta que "o País ainda peca ao não compreender a importância da dimensão regional para investimentos em infraestrutura, principalmente porque essa é uma oportunidade de ampliação do comércio e de ganhos de eficiência na região". 

Leia as outras matérias da série:


Reportagem de Estela Takada


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