Infraestrutura na América Latina: impactos das eleições

Players do setor analisam cenário para investimentos na região, onde diversos países ganharam novos governos.

6 de março de 2019Infraestrutura

As recentes mudanças de governos federais em países da América Latina – caso de Brasil, México e Colômbia – têm sido acompanhadas com atenção por players e especialistas do setor de infraestrutura. Contudo, não constituem um fator necessariamente preponderante ou limitador na análise de novos investimentos privados na região – até guinadas à esquerda, como ocorreu em solo mexicano, podem vir a representar oportunidades.

É o que identifica a primeira reportagem da série 'Infraestrutura na América Latina', produzida pela equipe de reportagem do GRI Hub neste início de 2019, a partir de entrevistas com players do mercado e especialistas. Em todas as matérias da série, o foco são os principais desafios para atrair investimentos e promover novos projetos no setor na região. 

Além do ciclo político

Após considerar que 2018 foi um ano de muita volatilidade na América Latina e em todo o mundo, Bernardo Serafim, líder de Desenvolvimento da Vinci Concessions para a América Latina e managing director do grupo para a Colômbia, acredita que 2019 será um ano de muitas oportunidades para a iniciativa privada. "Estamos otimistas e continuamos a trabalhar em novos projetos [na região]", afirma. 

Não obstante, ele reconhece que as eleições trouxeram grandes mudanças. "Na Colômbia, optou-se pela continuidade, mas o México foi para o esquerdismo, com algum extremismo. Já no Peru, embora a votação não seja recente, o Congresso não deixa o atual presidente trabalhar."

"Logicamente, a mudança e a relação com os governos é importante, mas é um entre os critérios analisados em um contrato de longo prazo. Nossos investimentos são de 30 anos; portanto, em média, passamos por seis a oito administrações", continua Serafim. 

Na mesma direção, a Egis Projects também mantém uma visão que vai além de um único período administrativo. "É claro que as condições políticas são consideradas na análise de riscos [de um projeto] e estamos atentos aos planos anunciados pelas recentes administrações latino-americanas no setor de infraestrutura", diz Agathe Vigne, gerente de Desenvolvimento de Negócios da empresa para a América Latina. Porém, como investidor e operador de longo prazo, a Egis Projects entende que é preciso responder também a outras questões: há um bom equilíbrio de risco entre o setor público e o privado? O projeto faz sentido e existe uma complexidade operacional ou técnica em que possamos agregar valor? O projeto pode ser financiado? E como nossos parceiros (financeiros, industriais) o valorizam? Essas são perguntas cruciais para o início de novas propostas. 

Instabilidade mexicana

O extremismo citado pelo executivo da Vinci Concessions pode ser exemplificado com o recente cancelamento do Novo Aeroporto Internacional do México (Naim), projeto que previa a construção de um ambicioso terminal internacional na cidade de Texcoco, estimado em cerca de US$ 13 bilhões e iniciado na gestão do mandatário antecessor, Enrique Peña Nieto. De acordo com dados oficiais, à época do princípio da megaobra, participavam da construção 305 empresas nacionais e internacionais. 

Desde a campanha eleitoral, o atual presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador (AMLO), já apontava para o redirecionamento. A interrupção foi anunciada após a realização de uma consulta popular convocada antes de assumir o cargo, em outubro de 2018. A maioria (69,95%) dos cidadãos participantes optou, alternativamente, pela ampliação da base militar de Santa Lucía, representando uma economia de US$ 5 bilhões em relação ao novo terminal. 

"O caso do Naim trouxe muitas dúvidas em relação à estabilidade do país e à garantia de proteção a investimentos", opina Serafim. 

"O investidor tem um olho no presente e o outro no futuro. Se ele mira o presente, irá ponderar a atratividade versus o marco regulatório. Quando fita o futuro, irá medir o risco de continuidade e, em caso positivo, não investe no presente ou aumenta a taxa interna de retorno a curto prazo", complementa Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Logística, Supply Chain e Infraestrutura da Fundação Dom Cabral (FDC).

Por outro lado, como aponta a própria a Vinci Concessions, até esse cenário pode agregar atratividade. "Podemos ver grupos que queiram desinvestir e isso pode trazer oportunidades para quem quer [ingressar no país], que continua a ser importante", afirma Serafim. 

"Atualmente, trabalhamos em diversos projetos no México, principalmente na operação e melhoria de rodovias e no segmento de transportes públicos", diz, por sua vez, Agathe Vigne, que preserva o país entre os prioritários para a Egis na região. 

Acenos e retrocessos

Entre os projetos da nova gestão que podem interessar a empresas do setor, está o Trem Maya, uma das bandeiras de AMLO e que busca intercomunicar os principais centros arqueológicos da cultura maia. De acordo com o governo, a construção deverá levar cerca de quatro anos, a um custo de US$ 6 bilhões a US$ 8 bilhões.

Publicamente, o líder mexicano já acenou à iniciativa privada. "Como [o recurso público] não será suficiente, faremos uma convocação para buscar uma sociedade com a iniciativa privada, de modo que será um investimento misto – público e privado", declarou. 

Outro projeto que envolveria a iniciativa privada, entretanto, foi cancelado em janeiro. As licitações de duas megalinhas de transmissão de corrente direta de alta tensão, consideradas as mais importantes do setor elétrico do país e com investimentos em torno de US$ 3,3 bilhões (de Tehuantepec ao centro do território mexicano, e de interconexão de Baixa Califórnia ao resto do país), foram anuladas. Os empreendimentos seriam realizados via parcerias público-privadas (APPs, na sigla em espanhol).

"Ainda não dá para saber o que de fato vai acontecer no governo do presidente Obrador, mas talvez estejamos vivendo certa regressão", analisa Joísa Dutra, diretora do Centro de Regulação em Infraestrutura (FGV/Ceri) e ex-titular da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

A especialista aponta que tal conjuntura pode ser positiva ao Brasil. Ao traçar um paralelo entre as duas economias e analisar a competição por capital privado, o atual contexto seria o oposto do que ocorreu anos atrás, durante a corrida regional ao pré-sal. "[À época] a abertura e as reformas que estavam sendo implementadas em território mexicano atraíram muito a atenção internacional e afetaram a competitividade brasileira, que ainda caminhava com indecisão", relembra. 

"Agora, estamos passando pelo inverso. Ainda há algumas questões a entender sobre como vai agir o governo do presidente [brasileiro Jair] Bolsonaro; entretanto, do ponto de vista do setor de infraestrutura, o que vejo é um direcionamento muito claro de desestatização e desinvestimento, o que irá representar a busca de ganho de eficiência e atração de capitais privados", complementa a especialista. 

Brasil: rumo à maior participação privada

Liderado por Bolsonaro desde 1 de janeiro, o Brasil tem intensificado a agenda de liberalização econômica e abertura a uma maior participação privada no setor de infraestrutura, anunciando novas concessões e projetos. A estratégia da atual gestão federal abrange privatizações de companhias públicas, extensão das debêntures incentivadas a empresas, outorgas de bens públicos e novas PPPs. 

Conforme já apontado em matérias do GRI Hub, as concessões previstas para 2019, especialmente para os segmento de transporte e logística, tendem a apresentar atratividade a investidores nacionais e estrangeiros. Com a nova configuração do Congresso, frente ao atual momento do País, também se estima que as pautas prioritárias para destravar o setor de infraestrutura avancem. 

O desafio, na visão de Paulo Resende, é estabelecer um ambiente que estimule tais aportes. "Se o governo atual conseguir criar um momento de aceleração, irá permitir um ciclo de investimentos de longo prazo. Vejo que essa gestão tem todas as possibilidades e os primeiros passos já caminham nessa direção", pontua. 

Uma mostra do que vem pela frente deve ser a rodada de concessões aeroportuárias. O leilão dos três blocos de aeroportos – compostos por 12 terminais e divididos por regiões – acontece no próximo dia 15 e há grande expectativa. "Há interesse e estamos acompanhando", responde o executivo da Vinci Concessions, sem entrar em detalhes. 

Perspectivas na Colômbia

Uma nação que vem se mantendo atrativa é a Colômbia. Com recente ingresso na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e ascensão à Presidência do neoliberal Iván Duque, o país é o terceiro mais competitivo do mundo em termos de regulação para o financiamento de obras de infraestrutura através de PPPs, atrás apenas de Reino Unido e Austrália. Os dados são do relatório do Banco Mundial divulgado em 2018. 

Logo após assumir a Casa de Nariño, Duque trouxe ainda uma inovação ao iniciar a formatação de seu Plano Nacional de Desenvolvimento 2018-2022, tema de club meeting realizado pelo GRI Club Infra em Bogotá em janeiro passado. Em outubro, ele lançou um portal para que a sociedade civil participe de forma ativa, com propostas destinadas ao crescimento do país. Entre as iniciativas cadastradas na plataforma, há projetos de mobilidade urbana, infraestrutura das cidades e energia, por exemplo. 

Considerado um bom articulador político, o governante colombiano tem se empenhado em destravar pautas do setor de infraestrutura. No início de fevereiro, ao apresentar ao Congresso o seu PND, ele se propôs a romper recordes nas mais diversas frentes. 

Nesse ínterim, foi anunciada a intenção de ampliar o prazo de concessão portuária a 80 anos. Com a inclusão de um artigo na lei vigente, a proposta da ministra dos Transportes, Ángela María Orozco, visa descongestionar projetos do setor. Atualmente, um contrato é firmado por 20 anos e poderia ser estendido por mais 20. 

"Obviamente, cada projeto é único e é preciso analisar e estabelecer os limites, balanceando os investimentos necessários e os custos no período, mas essa é uma iniciativa muito saudável", opina Bernardo Serafim.

Na visão de Agathe Vigne, iniciativas como a Agência Nacional de Infraestrutura (ANI) também auxiliam na identificação de projetos e no direcionamento de investimentos. No país, a empresa acompanha com particular interesse o mercado secundário de rodovias e aeroportos, e potenciais PPPs, que devem ser anunciadas neste ano. 

Tal perspectiva já havia sido apontada, antes das eleições, por Maurício Ossa, presidente da colombiana Odinsa. Em entrevista à GRI Magazine, ele considerou que tanto a criação da ANI como a regulamentação da Lei de Infraestrutura e a instalação do Vice-ministério da Infraestrutura constituíam "progressos significativos nas questões regulatórias, de modo que uma mudança política não afeta a perspectiva do setor”.

Chile, Peru e Argentina

No Palácio de La Moneda, Sebastián Piñera mantém a estabilidade do Chile com anúncios de cessões à iniciativa privada no País, como a segunda concessão da Ruta 5 Tramo Talca-Chillán e a licitação da Ruta 5 Tramo Los Vilos-La Serena + Conurbación. 

No Peru, o presidente Martín Vizcarra busca trazer mais transparência ao setor e limpar a imagem da nação, após o caso envolvendo a Odebrecht que causou a queda do então governante, Pedro Pablo Kuczynski, no primeiro semestre de 2018. As atividades da Controladoria Geral da República, um dos aspectos vistos como fundamentais pelos players da indústria, foram, inclusive, tema do primeiro encontro exclusivo a membros do GRI Club em Lima em 2019. 

"Temos projetos no Chile, no Peru, na Colômbia, no Brasil e na República Dominicana. Logo, existe uma relação de compromisso com esses países", confirma Bernardo Serafim, da Vinci, que reforça estar atento a futuras oportunidades nesses países. 

No calendário eleitoral, consta ainda o futuro argentino e como o mercado irá acompanhar essa nova corrida eleitoral; porém, ainda parece ser cedo para apostas. O titular desse país será definido no dia 27 de outubro.

 

Reportagem de Estela Takada


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